quinta-feira, 25 de julho de 2013

Livre-arbítrio: Afinal, temos ou não temos?

Introdução

Neste estudo, iremos procurar entender a questão que envolve o termo “Livre-arbítrio”.
Trata-se de um tema que trouxe grande discussão durante alguns períodos da História da Igreja. O entendimento diferente acerca deste tema, ou seja, a defesa da existência de um “livre-arbítrio” ou a sua negação, tem divido pessoas até hoje.
Mas, afinal temos ou não temos livre-arbítrio? É isto mesmo que iremos verificar, não só analisando as posições teológicas acerca do assunto, mas, buscando luz da Bíblia para clarear nosso entendimento.
Antes de mais nada precisamos definir o que seja esse tal “Livre-arbítrio”:

1. Livre-arbítrio
“Livre-arbítrio” tem sido definido, como a capacidade dada ao homem, por ocasião de sua criação, para escolher entre o bem e o mal, entre agradar a Deus ou desobedecê-Lo. Seria o “livre poder de eleger o bem ou o mal”.[1]
Héber Carlos de Campos também a define como tendo sido a capacidade que o homem teve, “de escolher as coisas que combinavam com a sua natureza santa, mas que, mutavelmente, pudesse escolher aquilo que era contrário à sua natureza santa”.[2]
Vejam que tais definições estão de acordo com o que prescreve a Confissão de Fé de Westminster (CFW):

O homem em seu estado de inocência, tinha a liberdade e o poder de querer e fazer aquilo que é bom e agradável a Deus, mas mudavelmente, de sorte que pudesse decair dessa liberdade e poder.[3]


É importante dizermos que quanto à definição, não existe dificuldade. O problema todo que envolve o tema, é se o homem hoje, depois da queda , possui ou não esse tal de livre-arbítrio.
Antes mesmo de entrar propriamente na discussão, se o homem ainda dispõe dessa capacidade, precisamos dizer algo acerca de uma faculdade natural e inalterada no homem, mesmo depois da queda, chamada de “livre agência” ou “capacidade de escolha”.

2. Livre Agência ou Capacidade de Escolha
Existe no homem uma capacidade tal que lhe dá condições de fazer escolhas, de acordo com o que lhe é agradável. O homem sempre e em qualquer condição faz as suas escolhas, de tal forma que ele é responsabilizado por elas. “Essa capacidade ou aptidão é um aspecto inalienável da natureza humana normal”.[4] Ele é livre para escolher o que lhe agrada, de acordo com suas inclinações.
Sobre este aspecto da existência humana a CFW diz o seguinte:
Deus dotou a vontade do homem com tal liberdade natural, que ela nem é forçada para o bem nem para o mal, nem a isso determinada por qualquer necessidade absoluta de sua natureza. Ref. Tiago 1:14; Deut. 30:19; João 5:40; Mat. 17:12; At.7:51; Tiago 4:7.[5]

Comentando acerca desta seção da CFW, A. A. Hodge diz o seguinte:
...que a alma humana, inclusive todos os seus instintos, ideias, juízos, emoções e tendências, tem o poder de decidir por si mesma; isto é, a alma decide em cada caso como geralmente lhe agrade.[6]

O homem é livre para escolher, sendo que nada externamente pode forçar suas escolhas. Isto é essencial no homem, faz parte da sua criação a imagem e semelhança de Deus. “À parte dela, não pode haver qualquer responsabilidade, confiança ou planejamento. À parte dela, não pode haver educação, religião ou adoração. À parte dela, não pode haver qualquer arte, ciência ou cultura. A capacidade de escolher é uma condição sine qua non de toda a vida humana”.[7]
A definição de Campos sobre este assunto é também esclarecedora:
Livre Agência, por outro lado, poderia ser definida como a capacidade que todos os seres racionais têm de agir espontaneamente, sem serem coagidos de fora, a caminharem para qualquer lado, fazendo o que querem e o que lhes agrada, sendo, contudo, levados a fazer aquilo que combina com a natureza deles.[8]

Campos ainda falando sobre este aspecto, enfatizando a responsabilidade humana em suas escolhas diz:
É importante que o ser racional que ele aja sempre movido pelo seu ego. A responsabilidade dele sempre estará diretamente ligada à voluntariedade do seu ato. Todos os atos dele devem ser auto-inclinados e auto-determinados.

Portanto, para que haja responsabilidade, não é necessário que haja o poder de escolha contrária, mas sim, que haja o poder de auto-determinação, que a ação seja nascida nas inclinações do ser racional.[9]

Pelo que ficou demonstrado, em qualquer época o homem é livre para agir conforme sua condição, sua natureza, ou seja, ele sempre faz o que quer conforme a sua inclinação.

3. A queda do homem: O que aconteceu ao livre-arbítrio?
Como dissemos acima, na criação o homem recebeu a capacidade de fazer escolhas e possuía também a liberdade de fazer escolhas certas, ou seja, podia escolher agradar a Deus, de tal forma que pudesse cair desse estado em que foi criado. O homem foi criado totalmente santo, integro, contudo podia escolher algo que fosse contrário a essa sua natureza. E foi isso o que aconteceu, ou seja, escolheu pecar. “No princípio, portanto, o homem não era um ser neutro, nem bom nem mau, mas um ser bom que era capaz de, com a ajuda de Deus, viver uma vida totalmente agradável a Deus”.[10] Como dizia Agostinho, o homem tinha a “capacidade de não pecar” (posse non peccare).[11]
Neste sentido, até antes de sua queda podemos dizer, o homem possuía o livre-arbítrio, contudo, com a desobediência, ele perdeu tal capacidade, sendo que não mais consegue fazer escolhas certas, não consegue agradar a Deus. Suas escolhas serão sempre determinadas pelo estado em que caiu. Suas escolhas serão de acordo com a sua natureza.
É neste ponto que surgem então discussões, pois, diferente da posição Reformada Calvinista, os Arminianos irão afirmar que o homem ainda  possui o livre-arbítrio. Ele pode sem a intervenção de Deus, em seu estado natural, fazer escolhas espirituais acertadas.
Para os arminianos a queda do homem, embora tenha trazido algum prejuízo não afetou totalmente o homem, sendo que, continua em seu estado natural a ter habilidades para escolher a salvação, para escolher agradar a Deus. Desta forma, a depravação não foi total.
Vejam mais detalhadamente a posição dos arminianos[12] quanto à depravação do homem:
Embora a natureza humana tenha sido seriamente afetada pela queda, o homem não ficou reduzido a um estado de incapacidade total. Deus, graciosamente, capacita todo e qualquer pecador a arrepender-se e crer, mas o faz sem interferir na liberdade do homem. Todo pecador possui uma vontade livre (livre arbítrio), e seu destino eterno depende do modo como ele usa esse livre arbítrio. A liberdade do homem consiste em sua habilidade de escolher entre o bem e o mal, em assuntos espirituais. Sua vontade não está escravizada pela sua natureza pecaminosa.. O pecador tem o poder de cooperar com o Espírito de Deus e ser regenerado ou resistir à graça de Deus e perecer. O pecador perdido precisa da assistência do Espírito, mas não precisa ser regenerado pelo Espírito antes de poder crer, pois a fé é um ato deliberado do homem e precede o novo nascimento. A fé é o dom do pecador a Deus, é a contribuição do homem para a salvação.[13]

O ensino arminiano segue o  raciocínio de Pelágio, com diferença apenas no fato de que este, dizia que a queda não afetou em nada a humanidade, de tal forma que “o homem continua nascendo na mesma condição em que Adão estava antes da queda. Esta isento não só de culpa, como também de polução.”[14] Por isso, os arminianos são considerados semi-pelagianos, pois pensam que o homem depois da queda tenha capacidade para fazer escolhas certas.
Os reformados calvinistas, em contra partida, afirmam que a queda incapacitou totalmente o homem, afetando todas as suas faculdades. O homem após a queda perdeu tal liberdade, sendo agora escravo do pecado, morto espiritualmente.
Vejam mais detalhadamente o pensamento calvinista sobre a depravação total
Devido à queda, o homem é incapaz de, por si mesmo, crer de modo salvador no Evangelho. O pecador está morto, cego e surdo para as coisas de Deus. Seu coração é enganoso e desesperadamente corrupto. Sua vontade não é livre, pois está escravizada à sua natureza má; por isso ele não irá - e não poderá jamais - escolher o bem e não o mal em assuntos espirituais. Por conseguinte, é preciso mais do que simples assistência do Espírito para se trazer um pecador a Cristo. É preciso a regeneração, pela qual o Espírito vivifica o pecador e lhe dá uma nova natureza. A fé não é algo que o homem dá (contribui) para a salvação, mas é ela própria parte do dom divino da salvação. É o dom de Deus para o pecador e não o dom do pecador para Deus.[15]

Os calvinistas neste sentido seguem os ensinos de Agostinho, que por sua vez combateu os ensinamentos de Pelágio. Agostinho ensinou que quando os seres humanos “pecaram, embora não perdessem a sua capacidade de fazer escolhas, perderam a sua capacidade de servir a Deus sem o pecado – em outras palavras, a sua verdadeira liberdade. O homem tornou-se, então, um escarvo do pecado; ele passou ao estado de ‘não ser capaz de não pecar’ (non posse non peccare).”[16]
A CFW afirma o seguinte acerca disso:
O homem, caindo em um estado de pecado, perdeu totalmente todo o poder de vontade quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação, de sorte que um homem natural, inteiramente adverso a esse bem e morto no pecado, é incapaz de, pelo seu próprio poder, converter-se ou mesmo preparar-se para isso. Ref. Rom. 5:6 e 8:7-8; João 15:5; Rom. 3:9-10, 12, 23; Ef.2:1, 5; Col. 2:13; João 6:44, 65; I Cor. 2:14; Tito 3:3-5.[17]

Calvino também disse o seguinte acerca desta situação do homem:
As Escrituras atestam que o homem é escravo do pecado; o que significa que seu espírito é tão estranho à justiça de Deus que não concebe, deseja, nem empreende coisa alguma que não seja má, perversa, iníqua e impura; pois o coração, completamente cheio do veneno do pecado, não pode produzir senão os frutos do pecado.[18]

O homem, após a queda não possui mais o livre-arbítrio, não pode mais escolher algo que é contrário a sua natureza pecaminosa. Ele está morto, cego, é escravo do pecado.
Esta doutrina defendida pelos calvinistas, pelos reformados, que por sua vez é negada pelos arminianos, não se trata apenas de uma posição teológica diferente, e sim de afirmação bíblica. Nega-la é o mesmo que renunciar a Palavra de Deus neste assunto.
São inúmeros os textos que afirmam tal verdade, falando que o homem está incapacitado totalmente de atender ao convite de salvação, de atender as exigências divinas. Isto acontece por seu próprio pecado, por sua própria inclinação e desejo. À parte da graça de Deus o homem, por sua própria iniciativa não pode salvar-se, ou escolher isto.
Vejamos textos que servem de base para a doutrina calvinista:
1.     O homem está morto, incapaz de qualquer bem, precisando da intervenção divina: Jr 13.23; Ef. 2.1-10;  Rm 3.9-18, 23; Cl 2.13; Tt 3.3-5.
2.     O homem não consegue ir até Jesus, senão com a ajuda somente de Deus: Jo 6.44, 65; Rm 9.16.
3.     O homem precisa nascer de novo, contudo, isto só aconteça através da atuação do Espírito Santo, que age soberanamente: Jo 3.1-15.
4.     O homem não pode compreender as coisas espirituais, senão pelo Espírito: I Co 2.14-16.
5.     A Bíblia declara que o homem está cego, que é escravo do pecado. Não pode fazer outra coisa senão pecar, a não ser que Deus mude seu estado: Ef. 4.18; Jo 8.31-36; Jo 9.35-41; Rm 6.15-23; 2 Tm 2.26.
6.     O homem não pode apresentar um fruto diferente daquilo que ele é: Mt 7.16-18; Tg 1.16-18.
Percebam que, afirmar que o homem tem o livre-arbítrio é o mesmo que ignorar tais textos da Bíblia.
É importante enfatizar que, o homem mesmo neste estado, continua ser um agente livre, ou seja, ele exerce “a livre agência”. Isto quer dizer que continua a fazer as suas escolhas, contudo, não escolhe nada que seja contrário a sua natureza pecaminosa (Jo 5.40; Tg 1.14; Mt 17.12; At 7.51; Ef 2.3). O homem nunca é forçado a fazer algo que não deseja. Faz sempre aquilo que lhe traz prazer.
Sobre isto, diz Calvino:
Não pensemos, entretanto, que o homem peca como que impelido por uma necessidade incontrolável; pois peca com o consentimento de sua própria vontade continuamente e segundo sua inclinação. Mas, visto que, por causa da corrupção de seu coração, odeia profundamente a justiça de Deus; e, por outro lado, atrai para si toda sorte de maldade, por isso afirmamos que não tem o livre poder de eleger o bem ou o mal – que é o que chamamos livre-arbítrio.[19]

Campos diz também o mesmo:
Originalmente, antes da queda, o homem teve tanto o livre arbítrio como a livre agência. Depois da queda o homem ficou somente com a livre agência, pois perdeu tanto o desejo quanto a capacidade de fazer o bem, isto é, o poder de agir contrariamente à sua natureza.[20]

Assim, é o homem quem escolhe continuar no pecado, contudo, não tem capacidade, por causa do seu próprio pecado e maldade, para escolher coisa diferente a não ser que suas inclinações e vontade sejam transformadas por Deus, recebendo habilidade para escolher o que é bom e reto. Por isso o homem é sempre responsabilizado por seus atos, pois, sempre escolhe o que lhe agrada.

4. Na Redenção do Homem: O que acontece ao livre-arbítrio?
Quando Deus em sua livre graça, resolvendo salvar o homem, age em seu coração e pela ação do Espirito lhe implanta vida, o que acontece é que o homem recebe habilidade para escolher o que é reto e bom. A Bíblia descreve este ato, como o da libertação de um escravo, dando-lhe liberdade para escolher o que é agradável a Deus, contudo, muito embora liberto, pode ainda inclinar-se para o pecado. O homem passa a desejar o que é bom. Isto não significa que não deseje o pecado, pois, ainda permanece nele a imperfeição.
Sobre isto diz a CFW:
Quando Deus converte um pecador e o transfere para o estado de graça, ele o liberta da sua natural escravidão ao pecado e, somente pela sua graça, o habilita a querer e fazer com toda a liberdade o que é espiritualmente bom, mas isso de tal modo que, por causa da corrupção, ainda nele existente, o pecador não faz o bem perfeitamente, nem deseja somente o que é bom, mas também o que é mau. Ref. Col.1: 13; João 8:34, 36; Fil. 2:13; Rom. 6:18, 22; Gal.5:17; Rom. 7:15, 21-23; I João 1:8, 10.[21]

Estaria o homem regenerado na mesma condição de Adão antes da queda, ou seja, teria ele agora novamente o livre-arbítrio? Não, pois, não voltamos a ser como era Adão. Ele era perfeitamente reto, santo, e podia escolher algo que fosse contrário ao que era a sua natureza. O homem regenerado recebe liberdade para escolher o que é bom, contudo, não tem o livre arbítrio, pois não escolhe algo contrário ao que ele é. Ou seja, quando escolhe o que é bom, faz isso de acordo com a sua nova natureza criada em Cristo e quando escolhe pecar, faz isso, conforme a sua natureza carnal. Esta é a luta que reside dentro do homem restaurado. Ele não pode dar lugar ao velho homem (Ef 4.17-24; Cl 3.1-11).
 É importante ressaltar que, sendo regenerado o homem recebe habilidade, que antes não tinha, para escolher a Deus. Conforme Agostinho, o homem recebe a capacidade de não pecar (posse non peccare).[22] Por isso, e somente assim, pode atender ao convite do Evangelho para a sua salvação. O homem na regeneração continua a exercer a sua “livre agência”.
Vejam como a CFW, fala da condição que o homem tem para fazer escolhas espirituais, como um ser ativo:
Todos aqueles que Deus predestinou para a vida, e só esses, é ele servido, no tempo por ele determinado e aceito, chamar eficazmente pela sua palavra e pelo seu Espírito, tirando-os por Jesus Cristo daquele estado de pecado e morte em que estão por natureza, e transpondo-os para a graça e salvação. Isto ele o faz, iluminando os seus entendimentos espiritualmente a fim de compreenderem as coisas de Deus para a salvação, tirando-lhes os seus corações de pedra e dando lhes corações de carne, renovando as suas vontades e determinando-as pela sua onipotência para aquilo que é bom e atraindo-os eficazmente a Jesus Cristo, mas de maneira que eles vêm mui livremente, sendo para isso dispostos pela sua graça. Ref. João 15:16; At. 13:48; Rom. 8:28-30 e 11:7; Ef. 1:5,10; I Tess. 5:9; 11 Tess. 2:13-14; IICor.3:3,6; Tiago 1:18; I Cor. 2:12; Rom. 5:2; II Tim. 1:9-10; At. 26:18; I Cor. 2:10, 12: Ef. 1:17-18; II Cor. 4:6; Ezeq. 36:26, e 11:19; Deut. 30:6; João 3:5; Gal. 6:15; Tito 3:5; I Ped. 1:23; João 6:44-45; Sal. 90;3; João 9:3; João6:37; Mat. 11:28; Apoc. 22:17.

Esta vocação eficaz é só da livre e especial graça de Deus e não provem de qualquer coisa prevista no homem; na vocação o homem é inteiramente passivo, até que, vivificado e renovado pelo Espírito Santo, fica habilitado a corresponder a ela e a receber a graça nela oferecida e comunicada.
Ref. II Tim. 1:9; Tito 3:4-5; Rom. 9:11; I Cor. 2:14; Rom. 8:7-9; Ef. 2:5; João 6:37; Ezeq. 36:27; João5:25. [23]

É o homem que diz sim a Deus, que diz sim ao chamado do Evangelho, depois de ter sido habilitado para isso, libertado do pecado. O abrir dos olhos, a nova criação, o nascer de novo, é obra da livre graça de Deus e se não for assim, ninguém poderá crer em Cristo. Se não recebermos a fé que vem do Senhor, nunca poderemos crer. Maravilhosa Graça!

5. Na glorificação do Homem: Terá o livre-arbítrio?
Quando formos glorificados, por ocasião da vinda de Cristo e completação de nossa salvação, teremos de volta o livre-arbítrio? Não, na glorificação, não voltaremos a ser como Adão, estaremos à frente dele, pois, ele quando criado não gozava de uma perfeição permanente, ou seja, podia cair de tal estado. Ele podia escolher algo contrário a sua natureza, contudo, se tivesse sido obediente poderia ter alcançado a perfeição permanente. Os crentes glorificados – como resultado final da obra de Cristo neles – alcançarão o que Adão não pode alcançar. Teremos perfeita liberdade para servir a Deus. Continuaremos a sendo agentes livres, pois, escolheremos o que estará de acordo com a nossa natureza perfeita. Nunca escolheremos pecar, pois, não haverá tal possibilidade, então, nunca mais teremos o livre-arbítrio.
Desta forma, como disse Agostinho, alcançaremos o estado “não posso pecar” (non posse peccare).[24]
Diz a CFW:
É no estado de glória que a vontade do homem se torna perfeita e imutavelmente livre para o bem só. Ref. Ef. 4:13; Judas, 24; I João 3:2.[25]

Comentando a CFW, Hodge diz:
Quanto ao estado dos homens glorificados no céu, nossa Confissão ensina que continuam, como antes, agentes livres; contudo, os restos de suas velhas tendências morais corruptas, sendo extirpadas para sempre, e as graciosas disposições implantadas na regeneração, sendo aperfeiçoadas, e o homem todo, sendo conduzido à medida da estatura do varão perfeito, à semelhança da humanidade glorifica de Cristo, permanecem  para sempre perfeitamente livres e imutavelmente dispostos à perfeita santidade. Adão era santo e instável. Os homens não regenerados são impuros e estáveis; isto é, são permanentes na impureza. Os homens regenerados possuem duas tendências morais opostas, digladiando-se pelo domínio em seus corações. São lançadas entre elas, contudo a tendência graciosamente implantada gradualmente por fim prevalece perfeitamente. Os homens glorificados são santos e estáveis. São todos livres e, portanto, responsáveis.[26]

Portanto na glorificação, seremos para sempre livres, sem também o livre-arbítrio para sempre.



Conclusão

Os reformados, os calvinistas crêem no livre-arbítrio, como tendo sido uma habilidade concedida a Adão e perdida na queda. Desde então o homem natural, pós-queda, ficou desprovido de qualquer habilidade para fazer escolhas santas, agradáveis a Deus. Não lhe resta outro desejo senão o de pecar, conforme as inclinações de seu próprio coração, sendo assim, um agente livre e responsável.
Cremos que, nunca mais tal habilidade fará parte da existência humana. O fato de Deus nos libertar do pecado nos habilitando a fazer escolhas acertadas, não é o mesmo que dizer que temos o livre-arbítrio. As escolhas sempre estarão de acordo com a nossa natureza, ou naturezas.
Nem antes, nem depois, voltaremos a ser como era Adão. Na glorificação estaremos à frente dele, num estado em que o pecado não será possível.
Dizermos que existe um tal de livre-arbítrio, seria o mesmo que dizer que Deus não é soberano sobre a salvação do pecador, que Ele está sujeito ao querer do homem.
Se não fosse Deus, sua graça, o que seria de nós? Nunca escolheríamos a Ele.
Que o estudo acerca desse tema, possa-nos motivar a glorificar a Deus por causa da sua graça que, agindo em nós mudou nossas inclinações e vontade, fazendo-nos querer, desejar, o que não queríamos nem desejávamos.

Sola Gratia!
Soli Deo Gloria!



 
 




[1] Juan Calvino, Breve Instruccion Cristiana, Felire, Barcelona, pg. 13.
[2] Héber Carlos de Campos, Antropologia Bíblica, Apostila, JMC, São Paulo, pg.9.
[2] CFW, IX, II.

[4] Anthony Hoekema , Criados a Imagem de Deus,  CEP, São Paulo, 1999, pg. 252.
[5] CFW, IX, I.
[6] A. A. Hodge, Confissão de Fé de Westminster Comentada, Os Puritanos, 1999, pg. 220.
[7] Hoekema, pg. 253.
[8] Campos, pg. 10.
[9] Idem.
[10] Hoekema, pg. 255.
[11] Citado por Hoekema, pg. 255.
[12] O nome “arminiano”, se aplica aos seguidores de James Arminius (um professor de seminário holandês),  que, em 1610 apresentaram um protesto ao “Estado da Holanda”, “um ano após a morte de seu líder. O protesto consistia de  ‘cinco artigos de fé’, baseados nos ensinos de Armínio, e ficou conhecido na história como a ‘Remonstrance’, ou seja, ‘O Protesto’. O partido arminiano insistia que os símbolos oficiais de doutrina das Igrejas da Holanda (Confissão Belga e Catecismo de Heidelberg) fossem mudados para se conformar com os pontos de vista doutrinários contidos no Protesto. As doutrinas às quais os arminianos fizeram objeção eram as relacionadas com a soberania divina, a inabilidade humana, a eleição incondicional ou predestinação, a redenção particular (ou expiação limitada), a graça irresistível (chamada eficaz) e a perseverança dos santos. Essas são doutrinas ensinadas nesses símbolos da Igreja Holandesa, e os arminianos queriam que elas fossem revistas.” Estas informações forma citadas da tradução livre e adaptada do livro The Five Points of Calvinism - Defined, Defended, Documented, de David N. Steele e Curtis C. Thomas, Partes I e II, [Presbyterian & Reformed Publishing Co, Phillipsburg, NJ, USA.], feita por João Alves dos Santos.
[13] Idem.
[14] Louis Berkhof, A História das Doutrinas Cristãs, PES, São Paulo, pg. 120.
[15] A formulação de tais idéias, foram apresentadas pelos calvinistas combatendo as idéias arminianas, apresentas no protesto ao Estado da Holanda. Tais idéias fazem parte do conhecido, “Os Cinco Pontos do Calvinismo”.
[16] Hoekema, pg. 255.
[17] CFW, IX, III.
[18] Citação extraída de Paulo Anglada, As Doutrinas da Graça, Puritanos, 2000, pg.  17.
[19] Idem.
[20] Campos, pg. 11
[21] CFW, IX, IV.
[22] Citação extraída de Hoekema, pg. 258.
[23] CFW, capítulo X; I, II, Da Vocação Eficaz.
[24] Hoekema, pg. 267.
[25] CFW, IX; V.
[26] Hodge, pg. 227.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Resenha: CARTER, James E.; TRULL, Joe E. Ética Ministerial: um guia para a formação moral de líderes cristãos. São Paulo: Vida Nova, 2010, 318 pp.

Resenha
Valdemar Alves da Silva Filho

CARTER, James E.; TRULL, Joe E. Ética Ministerial: um guia para a formação moral de líderes cristãos. São Paulo: Vida Nova, 2010, 318 pp.

James E. Carter é Ph. D. pelo Southwestern Baptist Theological Seminary e pastor com mais de trinta anos de ministério. Atuou como diretor do departamento de relações entre ministros e igrejas da convenção Batista da Louisiana, EUA. Joe E. Trull é Th. D. pelo Southwestern Baptist Theological Seminary e já foi professor de ética cristã no New Orleans Baptist Theological Seminary e é atualmente editor do periódico Christian Ethics Today.
O livro Ética Ministerial: um guia para a formação moral de líderes cristãos, foi escrito segundo os autores para todos os que exercem o ministério cristão, sejam homens ou mulheres, ou de qualquer grupo ou tradição cristã (p. 12). Este livro surgiu como fruto da percepção dos autores acerca da situação em que se encontra o nosso tempo e de que o declínio moral tem afetado os líderes cristãos, a ponto de ninguém mais se incomodar ou se espantar quando se ouve falar de um pastor imoral (p. 14). Daí entenderam a necessidade de produzir um curso que ensinasse ética profissional aos pastores. Apontam três razões que comprovam essa necessidade: 1) O pastor cristão desempenha um papel singular entre as demais vocações; 2) Havia pouco material escrito sobre ética ministerial e 3) A maioria dos seminários não ensinava ética ministerial. A essas três razões somaram ainda a tendência perturbadora, de que no século XXI o ensino de ética cristã nos seminários e universidades parecer estar em declínio (p. 18).
Conforme os autores, considerando que a ética diz respeito àquilo que se deve ser e fazer, este livro trata do que os pastores chamados por Cristo devem ser e fazer em sua vida profissional (p. 18). Para tal ética ministerial, apresentam seis pressupostos como fundamento: 1) Quase todos os pastores desejam ser indivíduos íntegros, cuja vida profissional preserva os ideais éticos mais elevados; 2. A formação do caráter moral e da conduta ética é um processo difícil; 3. Todo o pastor precisa de treinamento nas áreas de ética e formação espiritual; 4. a prática da ética é uma arte que pode ser aprendida; 5. Todo ministro cristão precisa tomar a mesma decisão moral ética que outros profissionais liberais: serei um capacitador ou um mero explorador de pessoas e 6. Quando usado de forma apropriada, um código ministerial de ética beneficia tanto os pastores quanto às comunidades que eles servem (p. 21). Evidentemente esses pressupostos podem ser verificados à medida que os capítulos são apresentados.
O capítulo 1 trata sobre A vocação ministerial: Carreira ou profissão. Nesse capítulo os autores apontam para o perigo dos pastores se perderem em meio a grande quantidade de atividades, esquecendo-se do propósito do ministério pastoral, confundindo as ovelhas como clientes. Apontam para o perigo de muitos exercerem o ministério com o fim de buscarem o sucesso pessoal, esquecendo de sua vocação divina. Neste capítulo os autores fazem uma reconstituição do sentido histórico do conceito sobre profissão, demonstrando que no início, a palavra designava àqueles que professavam votos em uma ordem religiosa. Em seguida apresentam o significado do termo profissional atual, apontando a seguinte definição: “Portanto, podemos definir o profissional como um indivíduo bastante instruído, com aptidões e conhecimento bem desenvolvidos, que trabalha de forma autônoma sob a disciplina de uma ética elaborada e aplicada por seus colegas de profissão, que presta um serviço social de caráter essencial e singular, e que toma decisões complexas cujas consequências são potencialmente arriscadas. O profissional é aquele que se preocupa mais com o interesse da comunidade do que consigo mesmo e mais com o serviço que presta do que com os benefícios financeiros”. Os autores demonstram que em certa medida o pastor se enquadra nessa definição. Para eles o ministro cristão é um profissional, comprometido com certos ideais, sendo que os padrões da prática profissional que se aplicam ao ministério cristão abrangem seis deveres éticos: 1. Instrução; 2. competência; 3. Autonomia; 4. Serviço; 5. Dedicação e 6. Ética.
A partir capítulo 2, os autores passam a aplicar os pressupostos até então estabelecidos. O capítulo dois, “As escolhas morais do pastor: Inatas ou adquiridas?”,  trata sobre questões relacionadas à pessoa do pastor. Tratam sobre as decisões que o pastor deve tomar, apontando três métodos básicos para se tomar decisões morais acertadas: caráter, conduta e discernimento moral. O caráter do obreiro é fundamental, ou seja, o ser vem antes do fazer. O desenvolvimento das virtudes certas é essencial para um ministério eficaz, e a capacidade de discernir e aplicar valores sociais também é crucial. Terminam este capítulo dizendo que, “os profetas de Deus, como todos os cristãos, precisam crescer na fé e na moralidade. Aprender a tomar decisões morais acertadas é um processo que dura à vida toda” (p. 74).
No terceiro capítulo, “A vida pessoal do pastor: acidental ou intencional?”, os autores tratam sobre questões relacionadas a autoestima do pastor, saúde, estilo de vida, crescimento espiritual, vida familiar, finanças, questões sexuais. Em suma, demonstram a necessidade do pastor nessas áreas, demonstrar integridade. A integridade não é algo acidental mas intencional. Ela não acontece por acaso, em outras palavras, deve ser cultivada.
No capítulo 4, “Os membros da igreja: amigos ou inimigos?”, os autores tratam sobre a importância do relacionamento do pastor com os membros da igreja. Demonstram como é importante o bom relacionamento entre pastor e os membros.  Tratam sobre a maneira adequada do pastor exercer sua liderança, sobre como deve tratar seus colegas de ministério, sobre transição ministerial, e por fim sobre o sucesso do ministério, que não é outro senão, torna-se semelhante a Cristo Jesus.
O capítulo 5, tem como título: “Os colegas do pastor:cooperação ou competição?”. Os autores tratam sobre questões práticas com as quais os pastores têm que lidar no que se refere ao relacionamento com outros colegas de ministério e líderes. Neste capítulo abordam situações de relacionamento do pastor com o colega antecessor ou sucessor em relação ao ministério de uma igreja. Tratam sobre a maneira como um pastor deve lidar com o colega pastor aposentado. Tratam também sobre o relacionamento do pastor com colegas pastores de outras denominações.
No capítulo 6, “A comunidade do pastor: ameaça ou oportunidade?”, tratam sobre o relacionamento e a conduta do pastor em relação à comunidade na qual sua igreja está inserida. A questão é resumida da seguinte forma: “Para aqueles que foram chamados por Deus, à vida em comunidade provavelmente incluirá serviço comunitário, participação política, responsabilidade legal e promoção da moralidade pública. A ética do pastor será testada em todas essas áreas. O envolvimento com a comunidade não deixa de ser arriscado; alguns diriam até que é uma ameaça para o ministério. O obreiro cristão tem, contudo, a oportunidade singular de ser sal da terra e luz em um mundo cada vez mais envolto em corrupção e trevas” (p. 193).
No capítulo 7, “Uma questão ética importante; abuso sexual no ministério”, os autores embora já tenham tratado sobre a questão sexual em alguns dos capítulos anteriores, dispensam a esse assunto atenção, tratando-o de forma bem mais extensa e detalhada. Apontam para a abrangência, a natureza e o impacto do abuso sexual cometido por ministros. Apontam também, como os ministros podem prevenir-se de comete abuso sexual, apresentando medidas e procedimentos para auxilia-lo. O capitulo também possui uma parte, em que trata sobre a maneira como a igreja ou denominação deve lidar com o ministro que comete abuso sexual.
O último capítulo, “Um código de ética ministerial: auxílio ou empecilho?”, os autores demonstram a importância de se produzir um código de ética ministerial, que sirva para auxiliar os ministros e conduzi-los na prática ministerial saudável. Os autores argumentam que embora para alguns um código de ética ministerial, possa ser desnecessário, ou redundante, dada à qualidade do trabalho que os ministros  desempenham, no entanto, dizem, “não podemos pressupor que, pelo simples fato de proclamarem justiça, retidão e moralidade, os pastores serão pessoas justas, retas e morais” (p. 238). Argumentam que um código de ética ministerial, tem como propósito mais abrangente, a prestação de contas do ministro. Os autores apresentam como deve ser estruturado um código de ética ministerial, bem como sua aplicação e demonstram como escrever um código de ética. No final do livro há um esboço de um código de ética ministerial, e apêndices, com exemplos de códigos de éticas antigos e contemporâneos de algumas denominações cristãs.
A leitura do livro é bastante proveitosa, principalmente por tratar de questões  éticas relacionadas ao ministério, que comumente não vemos ser tratadas. De fato, deve-se reconhecer que há pouco material sobre ética ministerial. Livros escritos ou traduzidos em português, são menos ainda. Deve-se reconhecer também, que de fato nos seminários a ética ministerial, não recebe a atenção que precisa. Questões com as quais me deparei neste livro, não às ouvi no meu tempo de seminarista. Desta forma, entendo que a leitura deste livro é indispensável para todo ministro, mesmo para aquele que não concorde e mesmo ao final da leitura, continue não concordando com um código de ética ministerial. Os assuntos são apresentados de forma bastante prática, mas, não de forma pragmática, pois, há no livro associação entre a piedade e a prática.




Resenha: ARMSTRONG, John (Org.). O Ministério Pastoral Segundo a Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, 288 pp.

Resenha
Valdemar Alves da Silva Filho

ARMSTRONG, John (Org.). O Ministério Pastoral Segundo a Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, 288 pp.

O livro O Ministério Pastoral Segundo a Bíblia, trata-se de uma coletânea de diversos artigos, quatorze ao todo, organizados por John Armstrong, escritos por diversos autores. Há no início da obra, uma lista apresentando as referências acadêmicas e ministeriais de cada articulista, que ajuda o leitor a ter um referencial teórico sobre os articulistas. Os autores, são de linha teológica reformada. Os artigos, cada um em seu tema, procuram apresentar uma perspectiva reformada sobre o ministério pastoral em cada um de seus aspectos e particularidades.
Erwin W. Lutzer, no prefácio, demonstra a importância do livro, apontando a direção escolhida para o seu tema geral. Conforme Lutzer, está faltando hoje, uma abordagem radicalmente bíblica a toda a obra da igreja, e diz que o perigo que corremos é não estar atentos para a secularização das igrejas evangélicas. Já no prefácio, pode-se ter uma idéia quanto à forma como os artículos serão apresentados. De forma geral, os artigos apresentam uma crítica à tendência moderna no meio evangélico atual, de abandono dos fundamentos bíblicos para o desenvolvimento ministerial. Portanto, este livro, conforme Lutzer, “foi escrito para nos ajudar a voltar àquelas verdades que fizeram que a igreja se tornasse, grande”. Enfatiza ainda, a importância do que disse Lutero, quanto à necessidade da igreja de constante reforma. Este tom em que o livro é escrito é reforçado pelas palavras de Armstrong na introdução, em que demonstra a necessidade da escrita de tal obra, dizendo que vivemos numa época em que os ministros modernos enfrentam grande pressão e que precisam ser equipados. Ele diz que não existem de forma comum em nosso tempo, livros que articulem e desafiem os modelos de prática pastoral, e que todo o campo foi tomado como refém das modernas disciplinas acadêmicas de Ciência e Psicologia. Armstrong ao desenvolver seu trabalho de pregação itinerante por seu país, teve contato com centenas de ministros em grupos pequenos e restritos, verificou seus conflitos e percebeu a necessidade de produzir tal livro. Portanto, como ele diz, “esta é uma obra que procura entender a época na qual vivemos, os desafios que os modernos ministros realmente enfrentam e a necessidade da congregação e da liderança não-ordenada de entender melhor o que a vida e a obra pastoral realmente são”. Por isso, conforme diz, os autores escolhidos são todos ministros de diversas partes e de várias igrejas, grandes e pequenas. Sendo assim, a proposta do livro é apresentar um conteúdo de teologia prática.
O primeiro artigo escrito também por Armstrong, trata sobre o lema da reforma “semper reformanda”, ou seja “sempre reformando”. Tal frase, segundo o aturo trata-se do conteúdo do que é abordado em todo o livro. De forma geral neste artigo o autor demonstra a necessidade do ministério pastoral ser fundamentado e reformado pela Palavra de Deus somente.
O segundo artigo é de autoria de Mark Coppenger, com o título “Livrando-se da profissionalização: Redescobrindo o ministério pastoral”. Neste artigo o autor irá confrontar a tendência atual de se considerar o ministério pastoral, como uma profissão igual às outras, possuindo até mesmo seu código profissional. Ele aponta então para o perigo da profissionalização do ministério pastoral, conforme os critérios profissionais modernos. Diz que o ministro ao assumir seu papel profético, deve resistir à domesticação do ministério. Para ele a existência de códigos profissional, pode  fazer com que o ministro em nome da cordialidade fica amordaçado. Desta forma, o ministério em muitos aspectos difere de outras profissões. Portanto, o ministério pastoral deve ser orientado pelas instruções bíblicas e não por aquilo que “profissionalmente” é mais aceitável.
O terceiro artigo, “A urgente necessidade de uma vida piedosa: o fundamento do ministério pastoral”, escrito por Joel R. Beeke, aborda a necessidade do ministro cultiva uma vida piedosa. Logo no início ele diz que um dos perigos enfrentados pelo ministro, é que ele lida com o sagrado com tanta freqüência que acaba por banaliza-lo. Desta forma, o autor apresenta várias orientações para buscar e cultivar uma vida piedosa, tais como: busca da bondade, familiaridade com Deus, e o uso de disciplinas espirituais tais como: leitura da Bíblia, oração, ler e ouvir sermões, celebração dos sacramentos, comunhão regular com os crentes e etc.
No quarto artigo, “Restaurando a exposição Bíblica ao seu devido lugar: o ethos e o pathos ministerial”, R. Kent Hughes, inicia falando sobre os pressupostos para a exposição bíblica, considerando o significado das expressões ethos e pathos. A primeira segundo o autor, tem haver com o caráter do pregador, com a condição de sua vida interior e com a obra do Espírito Santo dentro dele, especialmente quando isso se relaciona com o texto sobre o qual está pregando. Ele outras palavras, a exposição bíblica deve ser aplicada antes de tudo à vida do pregador. A segunda expressão, significa a paixão na maneira como se prega a Palavra. Segundo ele, a pregação da Escritura exige paixão que flui da convicção de que aquilo que você está pregando é a verdade. Desta forma, esses dois aspectos devem estar presentes na exposição bíblicos,  para que a verdadeira obra de reforma bíblica, ocorra na igreja.
O quinto artigo, tem como tema, “Mantendo o principal como principal: pregando Cristo como o foco de toda a reforma”. O autor, Thomas N Smith, demonstra a necessidade de Cristo ser o centro da pregação. Ele demonstra que a pregação de Cristo é coração de toda a experiência cristã autêntica e o clímax da história de Israel. Cristo é a história, portanto, ele deve ocupar uma posição principal.
No sexto artigo, “De fé em fé: o que faz com que a pregação seja tão vital para a reforma?”, Wilbur C. Ellsworth, demonstra a importância da pregação, considerando que nos dias atuais muitos não têm dado importância a ela. Para o autor a pregação é fundamental para a fé.  O autor demonstra que ela continua sendo a forma providenciada pelo Espírito para que a fé seja passada de geração em geração até que Cristo tenha edificado sua igreja e toda a criação cante a glória da presença de Deus que enche a terra.
O sétimo artigo, “Conduzindo a igreja ao culto teocêntrico: o papel pastoral”, Jerry Marcellino, aborda a importância do culto ser centralizado na Palavra e em Deus para obter credibilidade espiritual. Depois de demonstrar a relevância de um culto teocêntrico, apresenta ao final algumas orientações como: objetive um padrão mais elevado, objetive um princípio regulador, objetive um conteúdo lírico melhor, objetive estilos musicais mais centralizados em Deus e objetive cultos mais centralizados em Deus.
O oitavo artigo, “A cura de almas: o pastor servindo ao rebanho”, Jim Elliff, trata basicamente sobre o cuidado pastoral do rebanho. Ele no início demonstra que tal cuidado deve ser fruto do amor do pastor por seu rebanho, e que na atualidade o cuidado pastoral nas igrejas ortodoxas está em estado deplorável. Desta forma, propõe um retorno a tal prática, apresentando diversos elementos aos quais o pastor deve considerar em seu trabalho, tais como: intimidade com o rebanho, tutoria das pessoas, orientação, consolação, proteção, intercessão. Para ele todas as facetas do ministério pastoral direcionadas ao indivíduo, têm como objetivo conduzi-lo a Deus, maduro em Cristo.
No nono artigo, “Reformando a igreja por meio da oração: a contribuição pastoral”, o autor, Arturo Azurdia, demonstra a importância e necessidade da oração para a reforma da igreja. Para ele, há muitas vezes um jugo desigual da confissão teológica agostiniana com a prática ministerial pelagiana, e isto mostra a necessidade urgente de reforma do ministério pastoral. Ou seja, a volta a prática de um ministério que não só reconheça a soberania de Deus pela afirmação, mas que expresse tal convicção por meio de uma prática de vida condizente com isso. Sendo assim, demonstra que a oração  é indispensável para o progresso espiritual.
O décimo artigo, escrito por David W. Hegg, “Tudo em comum: o papel pastoral na edificação de uma comunhão verdadeira”. Como o próprio título demonstra, o autor demonstra a necessidade de se desenvolver na igreja, uma comunhão autêntica. O autor aponta para alguns obstáculos a existência dessa comunhão, tais como as tendências da atualidade, como consumismo, a independência (auto-suficiência), e a rede de contato. Para combater a deformidade da comunhão, o autor propõe diversas medidas que o pastor deve assumir, na tarefa de reformar a comunhão, tais como: aconselhamento bíblico, pregação da palavra, ministração apropriada da Santa Ceia e etc.
No décimo primeiro artigo, “O ministério pastoral e o lugar dos sacramento”, T. M. Moore, demonstra que os sacramentos em muitos lugares têm sido colocado em segundo plano na igreja. considerando que os sacramentos têm o objetivo de dar estabilidade e força para a igreja, equipando-a para a vida do reino e para a missão em todas as épocas e contexto, o pastor deve dar a devida importância aos sacramentos.  Moore diz que a importância dos sacramentos para a igreja, provém de dois fatos bíblicos: o mandamento de Cristo e a prática dos apóstolos. Moore apresenta a importância dos sacramentos para o ministério da igreja e a maneira de se redescobrir o poder ministerial dos sacramentos.
O décimo segundo artigo, “Como responder ao pecado na igreja?: Um apelo à restauração da terceira marca da igreja”, Joseph Flatt, Jr., fala sobre a aplicação da disciplina na igreja. Inicialmente ele apresenta alguns pressupostos básicos para a aplicação da disciplina tais como: Deus espera santidade de seu povo; a igreja que não é santa é uma contradição; Cristo comissionou a igreja para confrontar nosso pecado; Deus pressupõe quer seu povo será parte de uma igreja local e os cristãos são parte de uma família. Em seguida ele apresenta a mecânica da disciplina eclesiástica começando a falar sobre a aplicação de Mateus 18.15-17 e apresenta alguns procedimentos que se deve adotar na aplicação da disciplina. Finaliza com algumas orientações para conduzir a igreja à prática da disciplina. Para o autor, a renovação genuína da igreja está ligada, de alguma forma, à sua prontidão em confrontar o pecado.
No décimo terceiro artigo, “O sucesso pastoral no ministério evangelístico: o horizonte restituído”, Mark E. Dever, fala sobre a difícil área do ministério pastoral que é de encontrar sucesso no evangelismo. O autor irá se voltar para as instruções bíblicas, conforme as palavras do apóstolo Paulo a Timóteo e aplicar tais instruções à vida pastoral e demonstra que o sucesso está relacionado à fidelidade na pregação do evangelho de Cristo.
O último artigo, “O pastor e o crescimento da igreja: como lidar com o moderno problema do pragmatismo”, Phil A Newton, como diz propriamente o título do artigo, demonstra os perigos do pragmatismo na igreja, principalmente àquele relacionado ao movimento de crescimento de igrejas. O autor demonstra que o movimento de crescimento de igrejas trata-se de um assunto que deve ser rejeitado pelos evangélicos, pois, seus fundamentos e princípios não são bíblicos, mas frutos, de princípios pragmáticos voltados para satisfazer anseios humanos. O autor não só faz crítica ao movimento de crescimento de igreja, como apresenta a maneira e os meios adequados dados por Deus para o crescimento da igreja.
A leitura deste livro é importante, pois, os artigos apontam de forma geral para as dificuldades e perigos enfrentados pelos ministros do evangelho na atualidade e ao mesmo tempo aponta para a forma correta de se desenvolver o ministério, sem perder de vista o princípio da reforma, de que a igreja sempre precisa ser reformada. Na atualidade percebemos como que muitos ministérios têm se acomodado e se amoldado as modernas tendências, sem uma visão crítica do que está ocorrendo. Este livro nos propõe uma análise do que tem ocorrido, procurando apontar o caminho para a reforma da igreja.
Algo que senti falta em tal obra, e considerei um problema, foi a inexistência de uma conclusão, fazendo um fechamento do livro. Embora, os artigos tenham sido escritos por diversos autores, no entanto, considerando que havia uma conexão entre eles de propósito, o organizador poderia ter apresentado uma conclusão, o que sem dúvida ajudaria o leitor.





O Pensamento de João Calvino sobre Igreja e Estado


INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como propósito apresentar o pensamento de João Calvino sobre Igreja e Estado, procurando demonstrar que a partir da reforma protestante e do referido reformador, passou-se a pensar diferentemente do que sob a influência da Igreja Católica Romana se pensava sobre a relação dos dois regimes.
Inicialmente serão apresentadas informações sobre a vida de João Calvino, sua conversão ao protestantismo, sua jornada como reformador e sobre seus escritos. Em seguida, a parte final deste trabalho tratará sobre o seu pensamento acerca de Igreja e Estado. Será demonstrado o que pensava o reformador sobre tal tema, ou seja, a relação entre Igreja e Estado.
Sabe-se que embora João Calvino seja considerado um teólogo, pregador e pastor, contudo, seu pensamento não só influenciou a teologia protestante, como também, influenciou a prática política, econômica e social, produzindo transformações importantes em diversos países.
Calvino foi um patrono dos modernos direitos humanos. Em seu pensamento, ele antecipou a moderna forma republicana de governo. Contribuiu para a moderna compreensão da relação entre lei natural e lei positiva. Ao lado dos movimentos sociais e políticos de seu tempo, compreendeu plenamente que a origem do estado nacional moderno, o surgimento do comércio burguês internacional, o desenvolvimento da classe burguesa e a vasta expansão do mercado monetário exigiam uma nova avaliação da proibição de empréstimo de dinheiro a juro. Além disso, Calvino levantou-se contra os abusos do poder, em seu tempo, e debateu o problema do direito à revolta. O impacto de Calvino e do Calvinismo sobre a moderna cultura ocidental está bem documentado. Reconhece-se que esta influência foi grande. Calvino e Calvinismo ocuparam seu lugar entre as maiores forças que moldaram nossa moderna sociedade ocidental (REID, 1990, p. 11).

Percebe-se que estudar o pensamento do reformador é importante para compreendermos as mudanças políticas, sociais, econômicas que se implantaram a partir do século XVI, nos países que abraçaram a Reforma Protestante.

1. A Vida de João Calvino – Nascimento e preparação

João Calvino nasceu em Noyon, na Picardia em 10 de julho de 1509, em uma família onde possivelmente ele fosse o segundo filho dentre cinco irmãos (COSTA, 2006, P. 12). Era filho de Gérard Cauvin, “um respeitado cidadão” (CAIRNS, 1992, p. 252), “ligado à nobreza e ao alto clero da sua terra” (NICHOLS, 1992, p. 180) e de Jeanne Lefranc, que morreu quando Calvino tinha 5 ou 6 anos (COSTA, 2006, p. 12).
“Como Gérard era secretário apostólico de Charles de Hangest – bispo de Noyon, de 1501 a 1525 – e procurador fiscal do município, a sua família mantinha íntimas relações com as famílias nobres da região” (COSTA, 2006, p. 12), desta forma, procurou dar a melhor educação para seus filhos. Por causa de sua influência, isto garantiu a Calvino, em 1521 aos doze anos de idade, um benefício concedido pelo bispo de Noyon, que lhe permitiu custear as despesas de sua educação (GEORGE, 1994, p. 168).
Calvino recebeu a sua educação elementar, com os filhos da família Hangest (COSTA, 2006, p. 13). “Além de professores particulares, Calvino estudou na mesma escola dos filhos dos nobres de sua cidade, o Colégio de Capeto” (COSTA, 2006, p. 13).
Em 1523, Calvino vai para Paris, preparar-se para o sacerdócio  e inicia seus estudos na mais famosa universidade da Europa, no Collège de la Marche (CAIRNS, 1992, p. 169), tendo como mestre o grande humanista Maturinus Corderius (COSTA, 2006, p. 13). Alguns vezes depois, foi para o Collège de Montaigu - escola por onde passou Erasmo de Roterdã – estudando sob a direção de um mestre espanhol, Antonio Coronel, destacando-se no estudo da gramática (COSTA, 2006, p. 13).
Em 1528, Calvino conclui o curso de Artes e seu pai o envia para a Universidade de Órleans, para estudar Direito, tornando-se bacharel em Direito em 14 de fevereiro de 1531 (COSTA, 2006, p. 14).
Em 1531, com a morte de seu pai, Calvino volta a Paris para dar seguimento a sua verdadeira paixão, a literatura clássica (GEORGE, 1994, p. 171).

Não se sabe com certeza quando e como se deu a conversão de João Calvino, contudo, estima-se que foi no período entre 1532 e 1534, e que tenha sido influenciado por seu primo Pedro Roberto Olivétan (COSTA, 2006, p. 15).
Nichols diz que “a mudança foi resultado das influências dos novos estudos e dos ensinos de Lutero” (1992, p. 181). Em 1533, Calvino teve de fugir de Paris, devido a um discurso que ajudou a preparar,  proferido por Nicolas Cop na Universidade de Paris, que propunha uma reforma na Igreja (COSTA, 2006, p. 15). Nessa época evidenciava mudanças em sua vida, em direção ao protestantismo.  
Em 1534, quando completaria 25 anos, idade legal para ser ordenado, Calvino voltou para  Noyon e renunciou aos benefícios eclesiásticos (COSTA, 2006, p. 15) “Como fica evidente, nesse ínterim, Calvino havia sido convertido ao protestantismo” (COSTA, 2006, p. 15).


3. A Jornada de Calvino como Reformador

A fuga de Calvino de Paris, por causa do discurso de Nicolas Cop, que ele ajudou preparar, revelou o seu espírito reformador e seu envolvimento com o protestantismo. “Calvino deixou o país apressado e encontrou refúgio na cidade reformada de Basiléia, o lar de Cop, que já se encontrava lá” (GEORGE, 1994, p. 176).
Em 1535, o primo de Calvino, Olivétan fez a primeira tradução protestante francesa das Escrituras (COSTA, 2006, p. 7). “A tradução, feita diretamente dos originais hebraicos e gregos, foi utilizada pela primeira geração de calvinistas franceses na proclamação do Evangelho” (COSTA, 2006, p. 17). O Novo Testamento foi editado em 1534 e em 1535, saiu a sua segunda edição com o Antigo Testamento (COSTA, 2006, p.). Esta segunda edição foi revisada e prefaciada por Calvino.
Na cidade de Basiléia em 1536, Calvino publica a primeira edição das Institutas (GEORGE, 1994, p. 176). Este trabalho foi introduzido com uma carta ao Rei Francisco I, com o propósito de convencer o rei a ter uma atitude mais moderada com os seus companheiros cristãos de Calvino (GEORGE, 1994, p. 177). Contudo, o propósito básico das Institutas era catequético (GEORGE, 1994, p. 178).
Em 1536, Calvino viajou de Paris para Estrasburgo, “onde esperava estabelecer-se para seu antigo desejo de descanso e estudo” (GEORGE, 1994, p. 179). Nessa viagem, pernoitou em Genebra. Em Genebra, Guilherme Farel algum tempo antes, havia levado a cidade a abraçar a Reforma. Farel ficou sabendo que Calvino estava em Genebra e foi ao seu encontro, solicitar ajuda para concluir a reforma na cidade (CAIRNS, 1992, p. 253). Calvino embora tenha relutado no início, aceitou a proposta de Farel. Porém, a permanência de Calvino e Farel na cidade durou menos de dois anos, pois, em abril 1538, por causa de um conflito relacionado à disciplina da Igreja, eles foram expulsos da cidade (GEORGE, 1994, p. 180).
Entre 1538 e 1541, Calvino permaneceu em Estrasburgo, pastoreando refugiados franceses, onde Tomás Bucer dirigiu a Reforma e ensinou teologia (CAIRNS, 1992, p. 253). Nesse tempo, em 1539, lança uma edição totalmente revisada das Institutas, que era três vezes mais longa que a versão de 1536 (GEORGE, 1994, p. 181). Em 1541, publica-se a primeira tradução francesa das Institutas (GEORGE, 1994, p. 181).
Em 1541, Calvino é convidado a voltar a cidade de Genebra para continuar com a Reforma naquela cidade (NICHOLS, 1992, p. 182). O propósito de Calvino de voltar a Genebra, era tornar a cidade “uma república teocrática que seria o modelo na terra do reino de Deus no céu” (OLSON, 2001, p. 419).
Conforme Nichols:
Os meios pelos quais se propusera tornar Genebra uma comunidade cristã foram: uma igreja totalmente reorganizada; leis que expressassem a moral bíblica; um sistema educacional de primeira ordem (1992, p. 182).

Em 1541, em Genebra, Calvino promulgou as Ordenanças Eclesiásticas
Que delineavam as atividades de quatro classes de oficiais na igreja. Elas estabeleciam uma associação de pastores para dirigir a disciplina, um grupo de mestres para ensinar a doutrina,um grupo de diáconos para administrar a obra de caridade e, sobre eles, o consistório, composto de seis ministros e doze anciãos, para supervisionar a teologia e a moral da comunidade, com a faculdade de punir quando necessário, com a excomunhão os membros renitentes. Para garantir a eficácia do sistema, Calvino estabeleceu outras penalidades mais severas (CAIRNS, 1992, p. 254).

Os ideais de Calvino quanto à educação, “inspirados por sua convicção de que a verdadeira religião e a educação estão inseparavelmente associadas” (NICHOLS, 1992, p. 183), resultaram na criação da Academia, em 5 de junho de 1559 (LOPES, 2003, p. 67). A Academia era dividia em duas partes: Schola Privata (colégio com sete classes) e Schola Publica (nível superior com ênfase nas artes e teologia) (LOPES, 2003, p. 67).
Calvino morreu em Genebra em 1564 e Teodoro Beza, o reitor da Academia de Genebra, assumiu a liderança do trabalho na cidade (CAIRNS, 1992, p. 254).

4. Os Escritos de Calvino

Como diz George: “Qualquer pessoa que deseje fazer um estudo completo da teologia de Calvino tem de consultar ao menos seis fontes distintas dentro de seu imenso corpus literário” (1994, p. 185). Isto vale também para os outros aspectos de seu pensamento, incluindo o político.
Têm-se assim as seguintes fontes:

4.1 As Institutas

Calvino editou As Institutas, inicialmente em 1536 e em 1559 ampliou a deu a forma final a esse trabalho. As Institutas desde o seu primeiro lançamento, foi sendo ampliada por Calvino por toda a sua vida. “Ao todo, ele produziu oito edições do texto latino (1536, 1539, 1543, 1545, 1550, 1553, 1554, 1559) e cinco traduções para o francês (1541, 1545, 1551, 1560)” (GEORGE, 1994,  p. 185).
Leith falando sobre o valor desse trabalho de Calvino, diz que trata-se da “mais influente declaração da teologia reformada em particular e da teologia protestante em geral”, e “é também um marco literário” (1997, p. 182).
As Institutas se dividem em quatro partes, seguindo a divisão do Credo Apostólico: I. O Conhecimento de Deus, o criador; II. O Conhecimento de Deus o Redentor; III. O Modo pelo qual Recebemos a Graça de Cristo; IV. Os Meios Externos ou Auxílios pelos quais Deus nos Chama para a Companhia de Cristo e nela nos mantém (LEITH, 1997, p. 183).
O propósito de Calvino com esta obra era servir a Igreja de Cristo, oferecendo um livro que pudesse
preparar e instruir os que queiram aplicar-se ao estudo da Teologia, que facilmente possam ler a Sagrada Escritura e aproveitar-se de sua lição entendendo-a bem, e ir por um caminho direito sem apartar-se dele (1999, p. 24).

4.2 Os Comentários

João Calvino produziu vários comentários das Escrituras. Seus comentários serviam de complemento As Institutas (GEORGE, 1994, p. 186).
George diz o seguinte sobre os comentários bíblicos de Calvino:
Recorrendo a seu excelente conhecimento de grego e hebraico e a seu treinamento na filosofia humanista, Calvino produziu comentários sobre todo o Novo Testamento, exceto 2 e 3 João e Apocalipse, sobre o Pentateuco, Josué, Salmos e Isaías. Os comentários de Calvino e seus sermões-conferências sobre o Antigo Testamento preencheram 45 volumes na tradução inglesa do século XIX, publicada pela Sociedade de Tradução Calvinista. Todo o trabalho exegético de Calvino é marcado por um lado pela brevidade e, por outro, pela modéstia. Seu objetivo era penetrar na mente do autor tão concisa e claramente possível, evitando demonstrações profusas de erudição e digressões a assuntos secundários. Ele também não hesitava em dizer que não entendia algumas passagens da Bíblia (1994, p. 187).


4.3 Sermões

Como foi visto acima, os seus sermões formam um grande volume de escritos. Ele tinha o hábito de pregar através dos livros da Bíblia. “Seu método era pregar sobre o Novo Testamento aos domingos e sobre o Antigo Testamento nos dias úteis” (GEORGE, 1994, p. 187). Seus sermões eram anotados por diversos fiéis franceses refugiados e alguns deles foram publicados durante a vida de Calvino (GEORGE, 1994, p. 187)

4.4 Folhetos e Tratados

O Pensamento de Calvino pode ser conhecido, além das Institutas, comentários e sermões, por meio de numerosos folhetos e tratados.
Alguns desses escritos eram dirigidos contra oponentes teológicos, como os reformadores radicais (Psychopannychia, 1534; contra os Libertinos, 1545), os católicos romanos (Um Inventário de Relíquias, 1543; Antídoto para o Concílio de Trento, 1547) e os luteranos (Westphal, Heshusius). Outros são abordagens mais gerais sobre temas reformados, como a Necessidade da Reforma da Igreja (1544), Pequeno tratado sobre a Ceia do Senhor (1541) e o Tratado sobre a Predestinação Eterna de Deus (1552) (GEORGE, 1994, p. 188).

4.5 Cartas

Calvino escreveu inúmeras cartas, a seus colegas reformadores, a reis e príncipes, a igrejas perseguidas, a protestantes presos, a pastores, a vendedores de livros (GEORGE, 1994, p. 188). George diz que “o alcance internacional da teologia de Calvino e a extensão de sua influência pessoal podem ser captados apenas observando suas cartas” (1994, p. 188).

4.6 Escritos Litúrgicos

Consciente de seu papel pastoral e que a maneira de recuperar a  vida moral e religiosa do povo era instruindo-o, Calvino produziu uma confissão de fé e um catecismo para complementar a obra “A Forma das Orações” (1542) (GEORGE, 1994, p. 188).
Através desses escritos e obras de Calvino pode-se extrair o seu pensamento sobre a relação entre Igreja e Estado.

  

5. Igreja e Estado no Pensamento de João Calvino

O pensamento de João Calvino sobre Igreja e Estado influenciou grandemente vários países, trazendo transformações políticas, sociais, culturais, ou seja, em todos os aspectos que se possam prever. Neste capítulo, serão destacados alguns princípios que nortearam o pensamento de Calvino sobre a relação entre Igreja e Estado. Esses princípios sobre tal tema, serviram de base para a formação do pensamento calvinista posterior, que produziu transformações políticas e religiosas em diversos países que se tornaram reformados e calvinistas. Não se tem a pretensão de esgotar aqui, todo o pensamento do reformador sobre a relação entre Igreja e Estado. O que se pretende é apresentar mesmo que de forma limitada, seu pensamento, de tal forma que o leitor deste, possa conhecer um pouco do reformador João Calvino e sua importância para a formação da sociedade moderna.

5.1. A Separação entre Igreja e Estado

Até o período da Reforma Protestante sabe-se que a relação entre Igreja e Estado era caracterizada pela mistura de limites. A igreja Católica Apostólica Romana, por meio do papado, entendia ser função da Igreja interferir politicamente no Estado. A Igreja Católica entendia que estava acima do Estado e portanto, o papa e os bispos tinham o direito de se intrometer nos negócios do Estado. Por exemplo em Genebra, cidade da Suíça onde Calvino se destacou como reformador, antes de sua chegada e da Reforma, era comandada por três autoridades e que, dentre elas se destacava a do bispo “que não somente era o chefe espiritual da igreja, o ‘príncipe de Genebra’, mas também, teoricamente, o soberano da cidade, com poderes para cunhar moedas, comandar a cidade em tempo de guerra, julgar apelações, e conceder indultos” (LOPES, p. 4).
Calvino compreendia  que embora os dois regimes, o espiritual e o civil, fossem  ambos legitimamente de origem divina, dados por Deus ao homem, contudo, deveria se estabelecer a distinção entre eles. Falando sobre o poder civil, sendo de origem divina diz o seguinte: “Não se deve, pois, ter a menor dúvida de que o poder civil é uma vocação não somente santa e legítima diante de Deus, mas também deveras sacrossanta e honrosa entre todas as demais” (CALVINO, 2006, vol. 4, p. 150).
 Em suas palavras percebe-se a distinção que estabelece entre os dois regimes. Em suas Institutas, depois de falar sobre as características e limites do governo eclesiástico, Calvino fala sobre o governo civil, estabelecendo alguns contrastes entre os dois. Ele diz:
Sendo, pois, que foram constituídos para o homem dois regimes e que já falamos suficientemente  sobre o primeiro, que reside na alma, ou no homem interior, e que concerne à vida eterna, aqui se requer que também exponhamos claramente o segundo, que visa a unicamente estabelecer uma justiça civil e aperfeiçoar os costumes exteriores. Primeiro, antes de avançar no assunto, devemos recordar a distinção anteriormente exposta para não suceder o que comumente sucede com muitos, o erro de confundir inconsideradamente as duas coisas, as quais são totalmente diferentes. [...] Mas quem souber discernir entre corpo e alma, entre esta presente vida transitória e a vida por vir, que é eterna, entenderá igualmente muito bem que o reino espiritual de Cristo e a ordem civil são coisas muito diferentes (2006, vol. 4. p. 145).

Continuando a falar sobre a distinção entre Estado e Igreja diz:
Visto, pois, que é uma loucura judaica cercar e encerrar o reino de Cristo sob os elementos deste mundo, e nós, antes, pensamos (como a Escritura nos ensina amplamente) que o fruto que nos cabe receber da graça de Cristo é espiritual, cuidemos zelosamente de manter dentro dos seus limites esta liberdade, a qual nos é prometida e oferecida em Cristo. Pois, por que é que o próprio apóstolo que nos ordena que não nos submetamos de novo “a jugo de escravidão”, noutra passagem ensina que os servos não devem preocupar-se com o estado no qual estejam, sendo que a liberdade espiritual pode muito bem subsistir na servidão civil? Nesse sentido também devem ser entendidas outras declarações que ele faz, quais sejam: que no reino de Deus “não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher”. E igualmente: “não pode haver grego nem judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre; porém Cristo é tudo em todos”. Com essas sentenças Paulo quer dizer que é indiferente a condição a que pertencemos entre os homens, ou qual a nação a cujas leis devemos obediência, visto o reino de Cristo não se localiza nestas coisas (2006, vol. 4, p. 145).

Fica claro que, para Calvino, há uma distinção entre os dois regimes, e que portanto, um não tem ingerência sobre o outro ou a primazia.

5.2. A ilegitimidade da Igreja em exercer domínio sobre o Estado

Calvino é bastante contundente em criticar a atitude dos bispos católicos, em querer exercer o domínio político sobre o Estado e por meio disso, tirar proveito. O reformador chega a chamá-los de desabusados e gananciosos, e diz que aqueles que “têm abusado do favorecimento dos príncipes e têm tirado proveito disso, com essa atitude mostram claramente que não são bispos” (CALVINO, 2006, vol. 4, p. 133).
Calvino para provar sua tese de que a Igreja não deve se incumbir do governo do Estado, faz algumas perguntas cujas respostas, são para ele evidentes e claras:
Primeiro, têm direito os bispos de isentar-se da justiça e de seduzir e dirigir os governos das cidades e do país, bem como outros cargos que absolutamente não lhes competem? Pois o fardo do seu ofício já é tão grande que, se procurassem desincumbir-se dele perseverantemente, a duras penas conseguiriam fazê-lo. Outra coisa: é conveniente e próprio que, com o séqüito de servidores, com suas pomposas vestimentas, mesas e casas, imitem os príncipes? Sua vida não deve ser um exemplo de sobriedade, temperança, modéstia e humildade? E mais: é coisa que cabe ao ofício de pastores e bispos tomarem eles posse não somente de cidades, burgos e castelos, mas também dos grandes condados e ducados, e finalmente estenderem suas garras até os reinos e impérios? Pois o inviolável mandamento de Deus não os proíbe de toda cobiça e avareza? Mas eles são tão desabusados que se atrevem a dar evasiva e a gabar-se de que é muito conveniente que a dignidade da igreja seja sustentada com tais pompas e que, todavia, com isso eles não ficam tão afastados dos seus encargos que não possam dedicar-se aos mesmos (2006, vol. 4, p. 132).

Calvino continua a defender seu pensamento, usando o exemplo dos apóstolos que, não podendo cuidar dos necessitados, da pregação e ensino, se desincumbiram do trabalho de assistência aos necessitados passando tal encargo para outros, para poderem se dedicar ao ensino e pregação. O reformador com base no exemplo dos apóstolos pergunta:
Porque, se aqueles apóstolos, os quais, segundo a excelência das graças que receberam de Deus, eram muito mais capazes do que ninguém depois deles de se desincumbir satisfatoriamente de grandes encargos, e, todavia, reconheceram que não poderiam dedicar-se ao mesmo tempo à administração da Palavra e à administração do serviço beneficente de distribuição de esmolas sem desfalecerem sob o peso do trabalho, como é que estes tais que, comparados com os apóstolos não são nada, poderiam sobrepujar cem vezes mais o diligente labor apostólico? Certamente é uma ousadia deveras temerária tentar realizar tal empresa, e, contudo, é o que tem sido feito (2006, vol. 4, p. 133).

Calvino diz que a conseqüência não era outra, “senão que tais administradores, abandonando o seu próprio cargo, realizam o trabalho de outros” (2006, vol. 4, p. 133). Percebe-se que para o reformador, quando a igreja por meio de seus líderes exerce o governo das cidades ou países, realiza um trabalho que não é seu e portanto, deixa de realizar adequadamente o que de fato é sua função e ministério, ficando sobrecarregada. Quando isso acontece a Igreja se desqualifica, perdendo sua essência.
Conforme Calvino demonstra, seria incoerência da parte dos bispos com a mensagem cristã,  desejar deter o poder, algo que segundo o reformador é condenado por Jesus Cristo. Diz ele:
[...] se é um apoio próprio e conveniente à sua dignidade que eles sejam elevados a tais alturas e que sejam respeitados e temidos pelos maiores príncipes do mundo, terão do que se queixar de Jesus Cristo, a quem dessa maneira eles desonram insolentemente. Porquanto, conforme a opinião deles, que maior injúria lhes poderia ele fazer do que dizer: “Sabeis que os governadores dos povos os dominam e que os maiorais exercem autoridade sobre eles. Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo; tal como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”? Com essas palavras o Senhor lançou para bem longe do ofício deles toda a altivez e toda a glória deste mundo (2006, vol. 4, p. 132).


5.3. O Estado não tem nenhuma autoridade Espiritual sobre a Igreja

Se por um lado a Igreja não pode exercer domínio sobre o Estado, por outro lado, Calvino também entende, que este não tem o direito de exercer autoridade espiritual sobre aquela, a ponto de confundir “a disciplina eclesiástica em si com a gestão política. Disto queixa-se Calvino particularmente, que foi esta confusão tolerada na Alemanha e que ameaça ela sempre ganhar as Igreja Reformadas” (BIÉLER, 1990, p. 381).
Biéler cita sobre esse assunto, o que Calvino diz em um de seus comentários Bíblicos:
Bem é certo que os Reis e seus príncipes, se fazem o seu dever, são protetores da religião e provedores de nutrição da Igreja, como os chama Isaías (42.23). Eis, então, o que principalmente se requer dos reis, que usem do gládio que Deus lhes pôs na mão para manter Seu culto em sua pureza. Há, entretanto, pessoas irrefletidas que os fazem demasiado espirituais. E é este um vício que reina por toda a Alemanha; e mesmo nestes países a voga é excessiva. E, agora, sentimos por experiência quais são os frutos que provêm dessa raiz, isto é, que os Príncipes e todos aqueles que exercem poder soberano tão espirituais se julguem ser que já não mais deve haver nem regime nem governo para o estado da disciplina eclesiástica. E este sacrilégio reina entre nós, uma vez que os Príncipes se não podem conter em seu ofício, sem ultrapassar os limites da razão; pelo contrário, pensam que não podem reinar, a não ser que  hajam de abolir toda a autoridade da Igreja e sejam soberanos e juízes finais, tanto na doutrina quanto em toda a gestão e governo espirituais (1990, p. 381).


5.4. A Missão do Estado para com a igreja

Conforme já foi destacado, Calvino estabelece distinção entre a Igreja e Estado. A igreja não tem o direito de governar o Estado, nem tão pouco o Estado tem autoridade sobre a Igreja. São instituições distintas, contudo,  possuem entre elas “relações fundamentais  que não são simples relações ocasionais, pelo contrário, verdadeiros laços duráveis, essenciais à sua existência” (BIÉLER, 1990, p. 379).
Um dos pontos fundamentais do pensamento de Calvino, no que se refere à missão do Estado em relação à Igreja é que, cabe a ele “não somente manter certa ordem na sociedade, mas também prover o sustento da Igreja e da pregação fiel da Palavra de Deus entre os cidadãos” (BIÉLER, 1990, p. 379).
Comentando o texto bíblico da carta do apóstolo Paulo,  Calvino enumera as vantagens de um governo bem regulamentado:
A primeira é uma vida tranqüila, porquanto os magistrados, se encontram bem armados com espada para a manutenção da paz. [...] a segunda vantagem consiste na preservação da piedade, ou seja, quando os magistrados se diligenciam em promover a religião, em manter o culto divino e em requerer reverência pelas coisas sacras. A terceira vantagem consiste na preocupação pela seriedade pública: pois o benefício advindo dos magistrados consiste que impeçam os homens de se entregarem a impurezas bestiais ou a vergonhosa devassidão, bem como a preservar a modéstia e a moderação (1998, p. 57).

Para Calvino o Estado tem o dever de manter a ordem e preservar a religião:
Que ninguém estranhe que eu incumba o governo civil de manter em ordem e em segurança a religião, encargo que aparentemente neguei ao poder dos homens; porque aqui também digo que para mim é inadmissível que os homens a seu bel-prazer forjem leis referentes à religião e sobre como se deve honrar a Deus; coibindo aqui não menos do que coibi acima. O que eu aprovo é uma ordem civil que cuide para que a religião verdadeira, contida na Lei de Deus, não seja publicamente violada nem maculada por uma licença impune (2006, vol. 4, p. 148).

Desta forma, embora exista uma distinção entre o Estado e a Igreja, isto não significa que os dois não tenham uma estreita relação, e por isso, que o governo civil tendo sido instituído por Deus, tem o dever de “impedir que a idolatria, as blasfêmias contra o nome de Deus e contra a sua verdade, e outros escândalos relacionados com a religião sejam publicamente fomentados e semeados entre o povo” (2006, vol. 4, p. 147).

5.5.  A Missão da Igreja para com o Estado

Embora a Igreja não possa se intrometer no governo das cidades e países, ou seja, ela não possa exercer o governo civil, contudo, a Igreja tem uma missão política a ser exercida. Desta forma, Calvino demonstra que o primeiro dever da Igreja é de orar pelas autoridades e isto, “em qualquer país que os cristãos se encontrassem, independente da forma de governo daquele país, por mais hostil que as autoridades fossem” (LOPES, p. 16).
Diz Calvino:
[...] visto que Deus designou magistrados e príncipes para a preservação do gênero humano, e por mais que fracassem na execução da designação divina, não devemos, por tal motivo, cessar de ter prazer naquilo que pertence a Deus e desejar que seja preservado. Eis a razão por que os crentes, em qualquer país em que vivam, devem não só obedecer às leis e ao comando dos magistrados, mas também, em suas orações, devem defender seu bem-estar diante de Deus. [...] que aspiremos o estado contínuo e pacífico das autoridades deste mundo, pois elas forma ordenadas por Deus (1998, p. 56).

Um segundo dever da Igreja, constituindo sua missão política é advertir as autoridades. Para Calvino quando a Igreja deixa de exercer esse papel, então a maldade ganha força.  “É este um dos aspectos essenciais da missão profética da Igreja” (BIÉLER, 1990, p. 384).
Comentando um texto do Antigo Testamento[1], sobre a corrupção dos líderes religiosos de Israel diz:
Coisa horrível era e monstruosa, que não mais houvesse qualquer eqüidade ou justiça nos próprios profetas e sacerdotes, que deviam esclarecer e mostrar o caminho aos outros, uma vez que Deus os havia ordenado guias e condutores dos demais. Visto que eles mesmos se comportavam deslealmente, inevitável era que houvesse uma injustiça demasiado vil que reinava entre o povo em geral [...] eis que o Profeta mostra [...] que se não pode objetar Deus que é Ele excessivamente rigoroso ao exercer crueldade contra o povo, já que suas maldades eram vindas até o ponto que não mais podiam ser suportadas (op. cit. BIÉLER, 1990).

Um terceiro dever da Igreja é tomar a defesa dos pobres e dos fracos contra os ricos e poderosos. “Ela deveria consistentemente alertar o Estado a que proteja os fracos, os oprimidos e explorados pelos ricos, os que não possuem poder político ou econômico, e que não têm proteção social” (LOPES, p. 16).
Um quarto dever da Igreja é recorrer à autoridade política na aplicação das sanções disciplinares. “Ao lado desta dupla missão  de oração e advertência, tema a Igreja o dever de recorrer ao Estado para as sanções necessárias ao exercício de sua disciplina. O Estado, no entanto, permanece inteiramente livre para responder ou não às solicitações da Igreja” (BIÉLER, 1990, p. 388).



CONCLUSÃO

O pensamento de João Calvino sobre a relação entre Igreja e Estado diferiu do que, até antes da reforma protestante, era defendido pela Igreja Católica Romana. Calvino propôs uma separação entre os dois regimes, contudo, procurou demonstrar que embora distintos, tinham uma estreita relação de deveres de um para com o outro. Desta forma a Igreja tinha uma missão política e o Estado a Missão de promover e cuidar da religião.
Percebe-se que a contribuição de Calvino quanto a tal assunto, trouxe mudanças importantes para a sociedade ocidental. Estudar sobre o pensamento de Calvino, implica em não só entende-lo como um teólogo, mas também como um homem da política.
O sistema gerado por Calvino, conhecido como Calvinismo serviu de base para a formação política de países como a Holanda, Inglaterra e Estados Unidos. Sobre isso Abraham Kuiper (1837-1920), teólogo e filósofo calvinista holandês, líder de um dos principais partidos e membro do parlamento por mais de trinta anos e que foi Primeiro Ministro da Holanda de 1901-1905, diz o seguinte:
No sentido filosófico, entendemos por Calvinismo aquele sistema de concepções que, sob a influência da mente mestre de Calvino, levantou-se para dominar nas diversas esferas da vida. E como nome político o Calvinismo indica aquele movimento político que tem garantido a liberdade das nações em governo constitucional; primeiro na Holanda, então na Inglaterra, e desde o final do século 18 nos Estados Unidos (2002, p. 22).

Nota-se então, a importância do reformador. Infelizmente o pensamento político, social de Calvino é desconhecido, sobretudo no Brasil e por aqueles que se intitulam protestantes.
Pode-se perceber o quanto seria saudável ao seguimento protestante brasileiro, se conhecesse melhor  Calvino e colocasse em prática seus princípios. Quem sabe assim, poderíamos ver uma atuação política  dos cristãos protestantes diferente, compreendendo que Igreja e Estado são regimes distintos e que por isso, devem caminhar em separado, contudo, guardando a salvo seus deveres mútuos. Quem sabe se o pensamento do reformador fosse praticado, teríamos líderes eclesiásticos preocupados com suas comunidades, e não fazendo um trabalho que não lhes cabe.
No Brasil entre os protestantes evangélicos, ainda prevalece uma concepção católica romana de política, ou seja, entende-se que a Igreja deve ocupar-se por meio de seus líderes do governo civil. Assim, em tempos de eleições por exemplo, a igreja torna-se palanque eleitoral, o pastor torna-se candidato, e as metas particulares de cada igreja torna-se proposta de governo.


BIBLIOGRAFIA

BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990.
CAIRNS, Earle E..O Cristianismo Através dos Séculos. São Paulo: Edições Vida Nova, 1992.
CALVINO, João. As Institutas. São Paulo: Editora cultura Cristã, 2006, vol. 4.
______________. As Pastorais. São Paulo: Paracletos, 1998.
______________. Institución de la Religión Cristiana. 5 ed. Barcelona: Felire, 1999
COSTA, Hermisten. Calvino de A a Z. São Paulo: Editora Vida, 2006.
GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. São Paulo: Edições Vida Nova, 1994.
KUIPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002.
LEITH, John. A Tradição Reformada. São Paulo: Pendão Real, 1997.
LOPES, Edson. O Conceito de Teologia e Pedagogia na Didática Magna de Comenius. São Paulo: Ed. Mackenzie, 2003.
LOPES, Augustus Nicodemus. Calvino e a Responsabilidade Social da Igreja. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas.
NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã. 9 ed. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992.
OLSON, Roger. História da Teologia Cristã. São Paulo: Editora Vida, 2001.
REID, W. Stanford. Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990.









[1] Jeremias 8.10: “Portanto, darei suas mulheres a outros, e os seus campos, a novos possuidores; porque, desde o menor deles até ao maior, cada um se dá à ganância, e tanto o profeta como o sacerdote usam de falsidade”.