terça-feira, 21 de outubro de 2014

O Brasil católico – A Reforma Protestante chega ao Brasil, mas não se instala

    


                  O Brasil foi ocupado por Portugal, que trouxe a religião católica. O catolicismo passou a ser a religião da colônia portuguesa. Nota-se que nesse período eram comuns as parcerias político-religiosas. Tais parcerias “serviam de incentivo para os navegadores que se sentiam amparados pelo Estado e pela Igreja Cristã”[1].
                 No século XVI e no século XVII, houve duas tentativas de implantação da Reforma no Brasil, através de invasores.
Nessas duas tentativas de invasões do Brasil, tem-se o que era característico no período, ou seja, a parceria político-religiosa. Nas invasões e conquistas de outra nação ou território, transplantava-se para o invadido não só a cultura do invasor, mas também a religião. Na verdade a religião vinha a reboque. E, devido a essa parceria, os princípios cristãos introduzidos ficaram muitas vezes prejudicados, visto que os invasores, por vezes devido aos interesses político-econômicos, sacrificavam as convicções cristãs.
Osvaldo Henrique Hack faz o seguinte comentário sobre essa situação:
As parcerias político-religiosas serviam de incentivo para os navegadores que se sentiam amparados pelo Estado e pela Igreja Cristã. Lembremos que cada Estado tinha suas leis e pretensões políticas, nem sempre coincidentes com os propósitos do Cristianismo.[2]

Isso é verdade não só no que se refere às conquistas por parte de católicos, como também de protestantes.
As duas invasões do Brasil, francesa e holandesa, refletiram esse procedimento e os conflitos políticos e religiosos que ocuparam o cenário europeu da época. A disputa entre católicos e protestantes se estendeu até o solo brasileiro[3].
Embora, como já dito acima, as invasões não tenham sido principalmente motivadas por questões religiosas, as convicções religiosas foram fundamentais na promoção de tais intentos.
O Brasil, ao se tornar colônia portuguesa no século XVI, recebeu desde o início uma consciência católica, “moldada sob o signo da contra-reforma católico-romana”[4]. Os invasores franceses e holandeses, por outro lado, trouxeram na bagagem o protestantismo e almejavam encontrar no Brasil o que não tinham em seus países, ou seja, no caso dos protestantes, um lugar para exercer sua fé com liberdade, principalmente no caso dos franceses[5].

Nota: Este artigo é parte integrante de minha Dissertação de mestrado em Ciência da Religião. Caso tenha gostado e queira continuar lendo, você pode acessar o conteúdo total deste capítulo e da referida dissertação em 
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=189947



[1] Osvaldo Henrique HACK. Sementes do Calvinismo no Brasil Colonial: Uma releitura da história do Cristianismo brasileiro. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p.9
[2] Idem, p. 9.
[3] Ibidem, p. 169.
[4] SCHALKWIJK, Op. Cit., p. 24.
[5] HACK, Op. Cit., p. 169.

Reação católica contra a Reforma Protestante




Como reação ao avanço e à ameaça que a Reforma Protestante representava, a Igreja Católica tomou algumas medidas. Uma delas foi convocar um concílio, conhecido como Concílio de Trento. Esse concílio foi convocado e teve seus trabalhos iniciados a partir de 1545, durando até 1563, sendo o XIX Concílio Geral da Igreja, conforme a Igreja Católica Apostólica Romana. Várias medidas foram tomadas, proporcionando tanto reformas internas para a Igreja Católica, bem como realçando sua oposição ao Protestantismo.
Jean Delumeau diz que, por um lado, o Concílio de Trento foi um avanço para as forças católicas de reforma. Por outro lado,
Porém, foi também a negação do diálogo com a Reforma, a abrupta afirmação de posições antiprotestantes. Para rechaçar com maior força a justificação pela fé somente, exagerou no valor as obras e desenvolveu a noção de mérito. O Concílio, frente a Lutero e Zuínglio, que haviam burlado as indulgências e as peregrinações, frente a Calvino, que havia ironizado sobre as relíquias, manteve todas as formas tradicionais de piedade; confirmou também o culto as imagens.[1]

Martin N. Dreher resume os principais aspectos quanto ao significado histórico de tal concílio:
a) Com suas formulações antiprotestantes, o Concílio de Trento sacramentou definitivamente o cisma da igreja ocidental; b) Com a formulação de uma confissão de fé própria, a Professio fidei Tridentinae, em 1546, a qual deveria ser professada então por todos os sacerdotes católico-romano, a igreja católica-romana passou a ser uma igreja confessional; c) Ao se tornar normativo para a reforma interna do catolicismo romano, superou o nominalismo, deu a seus adeptos uma doutrina clara (essa clareza se havia perdido em grande medida) e lançou as bases para uma Igreja universal, ao reformar a administração e a vida eclesiástica.[2]

O Concílio de Trento, embora tenha sido proposto numa tentativa de reformar a Igreja e responder, de certa forma, aos anseios populares que motivaram a Reforma Protestante, como se percebe, distanciou-se desta. Frente ao princípio formal da Reforma Protestante da suficiência[3] e inspiração[4] das Escrituras Sagradas (Bíblia), o Concílio de Trento aceitou a inspiração das Escrituras Sagradas e, no entanto, equiparou a ela a tradição apostólica oral, como norma de conduta e doutrina[5].
Com respeito aos sacramentos, a Igreja Católica manteve os sete sacramentos, re-enfatizando sua eficácia para a salvação do pecador. Negou-se a liberdade cristã e o sacerdócio dos crentes, doutrinas afirmadas por Lutero e outros reformadores protestantes. Manteve-se o caráter sacrificial da missa, considerando-a literalmente a repetição do sacrifício de Cristo. Ainda com respeito à eucaristia oferecida na missa, reafirmou a presença real de Cristo nos elementos, pão e vinho, contrapondo as teorias de Calvino e Zuínglio[6]. O matrimônio só seria válido se realizado pela Igreja[7].
A questão das indulgências, que foi algo atacado veementemente por Lutero em suas 95 Teses, também manteve-se, embora tenha-se proibido a sua venda  por dinheiro[8].
Outra questão importante estabelecida foi a autoridade papal, considerada pelo Concílio como sendo universal[9].
Conforme tais medidas doutrinárias e reafirmações, percebe-se o distanciamento do que propunha a Reforma Protestante, estabelecendo-se ainda mais o abismo entre as duas posições.
Outra medida tomada pela Igreja Católica frente ao avanço Protestante foi o revigoramento da Inquisição, em 1542[10]. Esse instrumento foi responsável pela morte de um grande número de pessoas, de protestantes, embora não tenha sido de uso exclusivo contra protestantes, mas também contra judeus e outros que eram acusados de heresia. Sendo assim, a obra da Contra-Reforma Católica usaria quando necessário a força, para restabelecer o domínio católico nos lugares que haviam adotado a Reforma Protestante. 
É importante esclarecer, como diz Delumeau, que esse período da história foi marcado por um espírito de intolerância religiosa[11]. E isso não se deu apenas do lado católico, mas também do lado protestante. No entanto, as perdas foram maiores para o lado protestante.
Sobre essas manifestações de intolerância, que resultaram em grandes massacres, Delumeau apresenta vários fatos demonstrando a situação de tal período:
O ódio ao herege se generalizou. Francisco I permitiu o extermínio de 3.000 habitantes do Vaux. Felipe II liquidou em cinco grandes autos de fé praticamente a todos os protestantes e erasmistas da Espanha. Cerca de 30.000 reformados foram vítimas na França, na Noite de São Bartolomeu e de suas seqüelas, tanto em Paris como em províncias. Nos Países Baixos, no outono de 1572, o duque de Alba ordenou o saque da cidade de Malinas e o degolo dos protestantes de Zutphen. Porém a intolerância era mútua: Maria a Sanguinária, autorizou um número de execuções aproximadamente igual a da que ordenou Isabel. Na Europa do século XVI instalaram-se por toda a parte fúrias iconoclatas: em Wittenberg em 1522, em Provenza e em Delfinado em 1560, e nos Países Baixos em 1566. Nesta última região os “mendigos” enterraram vivos os monges, deixando aparecer a cabeça, que serviu de alvo em um sinistro jogo de bolas. Na Inglaterra de Isabel se abriu um canal aos mártires católicos para arrancar-lhes o coração e as vísceras. [...] A intolerância religiosa era a norma. Calvinistas e luteranos disputavam acerca da presença real, porém se puseram em acordo para perseguir a todos os dissidentes do protestantismo, e em primeiro lugar os anabatistas.[12]

Um outro detalhe a se perceber é que as lutas religiosas promovidas pela Igreja Católica contra os protestantes, com apoio dos reis, não se davam única e exclusivamente por razões religiosas. Havia um interesse político, mesclado muitas vezes ao interesse religioso. Sobre isso, Delumeau diz:
Quando se considera a Contra-Reforma como reconquista das regiões perdidas pela Igreja romana, é obrigado fazer certas pontuações. Em primeiro lugar, esta: as ambições políticas se mesclaram sempre com os propósitos confessionais. Se houvesse triunfado a Armada Invencível (1588), não só se haveria restaurado o catolicismo mais além do canal da Mancha, senão que também haveria sido eliminada uma perigosa concorrência marítima e reduzida as ambições coloniais que a Espanha começava a temer seriamente.[13]

Assim, o interesse em tais guerras, que principalmente se voltaram contra os protestantes, não se deu unicamente por motivos religiosos. Em nome da religião, com o apoio dos governantes com seus interesses políticos, vários massacres aconteceram. Em outros casos, em que a vitória militar permitia, procurou-se “converter as massas protestantes por toda sorte de meios: missões, criação de colégios e universidades, e toda classe de pressões para asfixiar a religião contrária”[14].
Tal situação de conflito e perseguição se estenderá a todo o território que tiver adotado a Reforma Protestante. O Brasil não será exceção desses conflitos e de perseguição religiosa. Logo nas primeiras décadas de sua história, no século XVI, protestantes virão para este território, alguns até mesmo com a esperança de poder aqui exercer sua fé com liberdade. No entanto, essa liberdade não virá antes de perseguições e a liberdade religiosa tão aguardada só será legalmente possível alguns séculos depois, no século XIX, com a proclamação da República. A presença protestante no Brasil no período colonial se dará por meio de invasores com interesses que iriam além do religioso, mas que também teriam um caráter religioso. Desta forma, para os portugueses católicos, expulsar tais invasores, além de garantir os interesses políticos, econômicos e expansionistas, significava também investir contra os hereges protestantes.



[1] Jean DELUMEAU. La Reforma. Barcelona: Editorial Labor, 1967, p. 103.
[2] Martin N DREHER. A Crise e a Renovação da Igreja no Período da Reforma. São Leopoldo: Sinodal, 1996, p. 122.
[3] Para o Protestantismo de forma geral, a Bíblia Sagrada é considerada a única regra de fé e prática, tendo a preferência sobre qualquer outra norma.
[4] Inspiração trata-se de um termo teológico que, aplicado à Bíblia, considera seu registro como tendo sido feito sob orientação divina. Embora no Protestantismo se considere a participação humana na composição dos livros da Bíblia, sendo que cada autor não foi anulado em suas capacidades e personalidades, considera-se que Deus orientou, direcionando o registro da sua revelação.
[5] DREHER, Op. Cit., p. 123.
[6] DELUMEAU, Op. Cit., p. 106.  
Com respeito à eucaristia, o catolicismo afirma que, no momento do seu oferecimento na missa, o pão e o vinho se transformam literalmente no corpo e no sangue de Cristo. Cristo se transforma em tais elementos. Essa é a doutrina da transubstanciação. Já Zuínglio e Calvino postulavam uma doutrina diferente. Para Zuínglio, no momento do oferecimento de tal sacramento, os elementos não se transformavam no corpo e no sangue de Cristo. A substância de tais elementos permanecia a mesma, servindo tais elementos apenas (e somente isso), para simbolizar e trazer à memória do fiel o sacrifício de Cristo. Calvino pensava de forma semelhante a Zuínglio, no entanto, entendia que, na hora do oferecimento de tal sacramento, servia não apenas para simbolizar o sacrifício, mas também, pela presença espiritual de Cristo, eles serviam para comunicar a graça divina, alimentando espiritualmente o fiel. Portanto, para Calvino, tal sacramento funcionava como um meio de graça.
[7] DREHER, Op. Cit., p. 124.
[8] Idem, p. 125.
[9] Ibidem, p. 126.
[10] Frans Leonard SCHALKWIJK. Igreja e Estado no Brasil Holandês. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, 3a.ed, p. 24.
[11] DELUMEAU, Op. Cit., p. 97.
[12] Idem, p. 98.
[13] Ibidem, p. 99.
[14] Ibidem, p. 99.

A REFORMA PROTESTANTE – ROMPIMENTO COM O MODELO CATÓLICO ROMANO MEDIEVAL

Neste trabalho parte-se do referencial teórico de que o Protestantismo ocupa um lugar no Cristianismo em oposição ao Catolicismo. O Protestantismo, em seu nascedouro no século XVI, representou um rompimento com o Catolicismo. De forma mais restrita, como argumentou Max Weber, o Calvinismo[1]- sendo um seguimento dentro do Protestantismo – é considerado pelo Catolicismo seu real oponente até os dias de hoje[2]. O Calvinismo expandiu suas fronteiras de tal forma, “a ponto de vir a ser considerado o inimigo número um da Igreja Católica Romana e dos governos absolutistas”[3].
                 Vários autores defendem essa teoria, demonstrando que o Protestantismo representa uma forma religiosa que se opõe ao Catolicismo. Para demonstrar esta oposição, argumentam que o Protestantismo representa uma forma religiosa que se despiu dos elementos característicos do catolicismo, adotando uma visão racional do mundo, enquanto para o Catolicismo a racionalização do mundo era desnecessária[4]. Peter Berger diz o seguinte sobre a diferença entre o Protestantismo e o Catolicismo:
Se observarmos mais cuidadosamente essas duas constelações religiosas, porém, o Protestantismo poderá ser descrito como uma imensa redução do âmbito do sagrado na realidade, comparado com seu adversário católico. O aparato sacramental reduz-se a um mínimo e, mesmo assim, despido de suas qualidades mais numinosas. Desaparece também o milagre da missa. Milagres menos rotineiros, embora não sejam completamente negados, perdem todo o significado real para a vida religiosa. Desaparece também a imensa rede de intercessão que une os católicos neste mundo com os santos e, até mesmo, com todas as almas. O Protestantismo deixou de rezar pelos mortos. Simplificando-se os fatos, pode-se dizer que o Protestantismo despiu-se tanto quanto possível dos três mais antigos e poderosos elementos concomitantes do sagrado: o mistério, o milagre e a magia. Esse processo foi agudamente captado na expressão “desencantamento do mundo”. O crente protestante já não vive em um mundo continuamente penetrado por seres e forças sagradas.[5]

Berger, destacando a diferença entre o Protestantismo e o Catolicismo, continua:
O católico vive em um mundo no qual o sagrado é mediado por uma série de canais – os sacramentos da Igreja, a intercessão dos santos, a erupção recorrente do “sobrenatural” em milagres – uma vasta continuidade de ser entre o que se vê e o que não se vê. O protestantismo aboliu a maior parte dessas mediações. Ele rompeu a continuidade, cortou o cordão umbilical entre o céu e a terra, e assim atirou o homem de volta a si mesmo de uma maneira sem precedentes na história.[1]

Para Berger, o Protestantismo seria uma volta ao “traço da racionalização ética do Antigo Testamento (no sentido de impor racionalidade à vida)”, característica que foi moldando a religião judaica em oposição às religiões dos outros povos da antiguidade com quem tinha contato o povo judeu. Já o Catolicismo estaria num caminho inverso, voltando a práticas religiosas características da religião não-bíblica da antiguidade. O Catolicismo, desta forma, em oposição ao Protestantismo, seria um re-encantamento do mundo.



Nota: Este artigo é parte integrante de minha Dissertação de mestrado em Ciência da Religião. Caso tenha gostado e queira continuar lendo, você pode acessar o conteúdo total deste capítulo e da referida dissertação em 
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=189947



[1] Neste trabalho é importante a distinção que o Calvinismo tem no Protestantismo, visto que é desta vertente protestante que nasce o Presbiterianismo. O Presbiterianismo que chega ao Brasil tem em seus fundamentos teológicos a doutrina calvinista. O termo Calvinismo se refere ao sistema doutrinário fundamentado no pensamento de João Calvino, reformador de Genebra. Conforme MacGrath: “Esse termo novo surgiu na literatura polêmica das igrejas da Reforma na sexta década do século 16. Ao que parece, a expressão ‘Calvinismo’ foi apresentada inicialmente pelo polemista luterano Joachim Wesphal a fim de referir-se às idéias teológicas e, particularmente, sacramentais dos reformadores suíços em geral e, mais especificamente, às de João Calvino. Depois de sua introdução, rapidamente o termo passou a ser de uso geral dentro da Igreja Luterana. Em parte, essa rápida aceitação do novo termo refletiu uma profunda inquietação nos meios luteranos com referência a uma crescente influência da Teologia reformada nas regiões da Alemanha consideradas, até então, luteranas. [...] A introdução do termo ‘Calvinista’ parece, portanto, ter sido uma tentativa de estigmatizar a Teologia reformada, caracterizando-a como uma influência estrangeira na Alemanha. O uso desse termo causou espanto no próprio Calvino, que o considerou, com razão, uma tentativa mal disfarçada de desacreditar a adoção da fé reformada por Frederico III. A essa altura, porém, Calvino tinha apenas mais alguns meses de vida e seus protestos mostraram-se ineficazes. Assim, o termo ‘Calvinismo’ passou a ser usados pelos oponentes da Igreja Reformada para se referirem às idéias teológicas dela mesma” (Alister MACGRATH. Origens Intelectuais da Reforma. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 16).
[2] Max WEBER. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 74.
[3] W. Stanford REID. A Propaganda do Calvinismo no Século XVI, In: W. Stanford REID (Ed.). Calvino e sua Influência no Mundo ocidental. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 35.
[4] Peter L. BERGER. O Dossel Sagrado Elementos para uma Teoria Sociológica da Religião. São Paulo: Paulus, 1985, p. 134.
[5] Idem, p. 124.
[6] Ibidem.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Prudente ou insensato? Mateus 7.24-27

Introdução
No Brasil cresce cada vez mais aqueles que se dizem cristãos evangélicos. Mais e mais, vemos profissões de fé se realizarem, supostas conversões ocorrerem, até mesmo dentre artistas e pessoas públicas. No entanto, apesar do crescente número de pessoas se dizerem crentes nos Senhor Jesus, notamos que pouca coisa tem mudado em nossa sociedade.
Tal situação deve nos conduzir a reflexão. Basta professar a fé em Cristo Jesus? Ser um frequentador de culto evangélico, ouvir de Cristo e de sua palavra, resolve, faz alguma diferença? O que está faltando?
Jesus ao final de seu sermão do Monte adverti seus ouvintes acerca de uma fé nominal. Para Jesus não basta apenas professar a fé nele, ouvir de suas palavras. É preciso, acima de tudo, que seus ouvintes sejam praticantes de sua palavra para que tenham sucesso na vida cristã. O cristão genuíno tem sua vida edifica sobre a prática da palavra de Deus. Enquanto que o cristão nominal, ignora isso e consequentemente arruinará sua vida.

I. Uma parábola sobre construtores
O Senhor Jesus por diversas vezes, ao apresentar seus ensinamentos fez uso de parábolas. Algumas vezes falava por meio de parábolas, com o fim de manter escondidas, as verdades que em particular pretendia transmitir apenas a seus discípulos (Mt 13.10-16). Outras vezes a parábola era direcionada a todos os seus ouvintes, com o fim de elucidar e tornar prático seus ensinamentos, como foi o caso desta parábola dos construtores. As parábolas são ilustrações tiradas de situações dos cotidianos dos ouvintes. Assim, enquanto falava sobre os dois construtores, por exemplo, seus ouvintes podiam ver perto de onde estavam, alguém edificando uma casa.
Ao final de seu Sermão do Monte, Jesus compara seus ouvintes a dois tipos de construtores. Não há um terceiro tipo ou um tipo intermediário de construtores. Assim, não há um terceiro tipo de ouvintes. Seus ouvintes ou são prudentes ou insensatos. Ou são ouvintes que praticam suas palavras ou ouvintes negligentes que ouvem e não praticam suas palavras. Jesus está sempre dividindo seus ouvintes em duas classes. Neste sermão ele fez isto algumas vezes. Por exemplo, em 7.13, 14, ele fala das duas portas, a estreita e a larga. Há os que entram por uma e os que entram por outra. Em 7.17 e 18, fala da árvore boa que dá bom fruto e da árvore má que dá fruto ruim. Assim ocorre em outras passagens (Mt 10.39; 13.12-16, 19-23, 24-30, 36-43, 47-50).
Jesus conclui seu sermão com esta parábola demonstrando a importância e gravidade de seus ensinamentos. Ele não está brincando. Seus ouvintes precisavam saber da gravidade do que ensinava. Se colocassem em prática seus ensinamentos seriam bem-sucedidos. Caso contrário sofreriam as consequências de negligenciar seus ensinamentos. Primariamente estas palavras se aplicam ao Sermão do Monte, mas, não somente a ele. De maneira ampla se aplicam a toda Palavra de Deus contida nas Escrituras. Desta forma, nenhum ensinamento bíblico pode ser negligenciado.
Para Jesus viver é como construir ou edificar casas. Aquilo que fazemos, falamos, pensamos, planejamos, executamos e cada obra que realizamos é, por assim dizer, um tijolo que assentamos em nossa construção. Cada um deve considerar a forma como edifica sua vida, pois, o sucesso na vida cristã dependerá da forma como ela é edificada. Tudo o que fazemos, de duas uma, ou encontra-se de conformidade ou em oposição ao ensino de Cristo. Percebemos então, que somos responsáveis pelas nossas ações, sendo que cada uma delas, será provada.

II. Semelhanças entre os dois construtores
Embora fique demonstrado que os dois construtores difiram de forma fundamental na escolha do solo sobre o qual alicerçam suas casas, no entanto, há algumas semelhanças entre eles.

A. Semelhança no tipo de casa que constroem
Na época de Jesus as casas construídas eram bastante frágeis, devido ao tipo de material utilizado. Eram casas cujas paredes eram facilmente atravessadas por ladrões (6.19). O teto, geralmente feito de barro e palha, podia facilmente ser aberto. Os quatro amigos do paralítico abriram um buraco no teto da casa onde Jesus estava, para que tal homem tivesse a chance de ser curado (Mc 2.4). Portanto, no caso dos dois construtores, suas casas eram semelhantes na maneira como foram construídas. A técnica para a construção foi a mesma, bem como o material utilizado. Jesus não destaca a diferença entre o tipo de material ou arquitetura. Não são nestas coisas que os dois construtores se diferenciam, sendo um chamado de prudente e outro de insensato.

B. Semelhança quanto ao local escolhido para a construção
Nesta questão também não há diferenças entre eles, pois, ambos constroem próximo ao leito seco de um rio. Enquanto a estação das chuvas não vem, ambas as casas permanecem sem sofrer risco algum. As coisas mudam quando vêm às chuvas, quando então, aquele leito de rio seco, se transforma em um rio com fortes correntezas. Só então, a diferença entre os dois construtores é colocada em relevo.

C. Semelhança quanto às circunstâncias enfrentadas
Ambas as construções estarão sujeitas as mesmas circunstâncias climáticas. Na Palestina as tempestades não são frequentes, no entanto elas podem vir repentinamente e transformar drasticamente as paisagens. Ambas as casas sofrerão com as tempestades. Os ventos baterão com força contra suas paredes. A chuva fará com que os rios transbordem e coloquem em perigo ambas as casas. Não há diferença entre esses dois construtores, quanto às circunstâncias que haverão de enfrentar, pois, segundo o texto, as construções de ambos, sofrerão os embates das tempestades.
As tempestades são figuras das provas que todos nós enfrentamos em nosso viver. As provas podem chegar de várias formas tais como tribulação (exemplo de Jó; Sl 46); tentação (Gn 39.7-18; Mt 26.69-75); luto na família (Jó 1.18-22; Lc 7.11-17; Jo 11.1-46); morte que se aproxima (At 7.59, 60), como também, conforme o contexto de nossa passagem, o dia do juízo (Mt 7.22). São diversas as circunstâncias que servem para nos provar. Para que serve, ou que diferença faz uma fé que ainda não foi provada? Em outras palavras, é diante das provações que o valor de nossa fé é testada e aprovada (Gn 22.1-19; Rm 5.1-5; Tg 1.2-4). É na provação que a diferença entre os ouvintes de Jesus é realçada. As provações veem sobre todos, se ouvintes prudentes ou insensatos. Mas é diante delas que se conhece o ouvinte prudente e o insensato.

III. A diferença entre os dois construtores
Jesus demonstra que a diferença entre os dois construtores está na forma como lançam os alicerces de suas casas. O construtor prudente lança o alicerce de sua casa sobre a rocha, enquanto que o construtor insensato lança o alicerce de sua casa sobre a areia.

A. O construtor prudente
O construtor prudente sabe que no futuro, aquele leito de rio seco, poderá com a chegada de uma tempestade, se transformar num rio com fortes correntezas. Por isso é prudente lançando o alicerce de sua casa sobre um local que ofereça segurança. Conforme o registro de Lucas, o construtor prudente “abriu profunda vala e lançou o alicerce sobre a rocha”. Como resultado de sua prudência, em vindo a forte tempestade a sua casa permanece em pé.
Alicerçar a casa sobre a rocha significa, conforme diz Jesus, ouvir e praticar a sua palavra. Notem que não existe diferença entre os ouvintes de Jesus, até que cheguem as tempestades e as provas da vida. Não há como distinguir entre o cristão professo genuíno do que cristão professo falso, pois, frequentemente se parecem. O joio se parece com o trigo, até que chegue a colheita.  A árvore boa é distinguida da ruim, quando chega a época de dar frutos. Distinguir um cristão de um não-cristão é mais fácil, mas distinguir, um cristão verdadeiro do falso isto é mais complicado. Mas, chegando as provas da vida, fica evidente quem construiu sua casa sobre a rocha. As tempestades colocam em descoberto os alicerces. Quem ouve e pratica as palavras de Jesus, em chegando as lutas e tribulações, sua vida permanece inabalada, firme e segura.
As palavras que procedem da boca de Jesus (ou seja, as Escrituras em sua totalidade) quando praticadas, se constituem em um firme alicerce sobre o qual podemos edificar nossa vida. O sucesso na vida cristã depende disso. É claro que com isso, Jesus não está dizendo que o sucesso na vida cristã dependa de nosso esforço. Definitivamente não. O sucesso depende de se praticar a palavra que é de Cristo. A capacidade para se ter sucesso na vida Cristã tem seu fundamento no próprio Jesus. Ele é a Rocha e sua palavra também é rocha para nossa vida (1Pe 2.1-4).
Nas dificuldades e desafios que enfrentamos na vida cristã, seja no âmbito familiar, da igreja ou em qualquer outra área, a palavra de Cristo se praticada, nos dará sustentação. Jesus não disse que os ouvintes praticantes de sua palavra não teriam problemas, mas disse que tais ouvintes permaneceriam firmes.
Josué recebeu a incumbência de conduzir o povo de Israel à terra prometida. O Senhor disse que ele seria bem-sucedido em sua tarefa, se não se desviasse nem pela direita e nem pela esquerda, mas se fizesse tudo o que a lei de Deus ordenava. Ele deveria falar, meditar dia e noite e fazer tudo o que estava ordenado na lei de Deus (Js 1.1-9).
No Salmo 1 o homem bem-aventurado é bem-sucedido, pois é governado pela palavra de Deus. Sua vida não é dirigida pelos padrões mundanos, antes é orientado pelos padrões divinos.
Nos Salmos 127 e 128, o sucesso na vida familiar é determinado, não pelas posses, realização profissional ou ausência de dificuldades, mas pela confiança e pelo temor de Deus. Isto implica em ouvir e praticar toda palavra de Cristo Jesus.
Timóteo seria bem-sucedido em seu ministério pastoral, se permanece nos ensinamentos bíblicos que havia aprendido desde a infância. Em outras palavras, se em cada aspecto de sua vida praticasse a palavra de Cristo, seria abençoado (2Tm 3.14-17).
Aqueles que edificam sua vida sobre a rocha, não só são bem-sucedidos durante toda vida nas provações, mas ainda e definitivamente na última prova, a do juízo final (cf. Mt 7.22 e 23 “naquele dia”). “Naquele dia” aqueles que praticam a palavra de Cristo, receberão o convite: “Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo” (Mt 25.34).

B. O construtor insensato
O construtor insensato diferente do prudente, não pensa no futuro. Embora construa sua casa como o outro, utilizando-se dos mesmos materiais, e construindo sua casa perto do curso de um rio seco, não toma providências para que sua casa permaneça segura, livre de desmoronamento. Diferente do construtor prudente, o insensato, constrói sua casa sobre a areia. Não tem o cuidado de cavar até encontrar um solo rochoso, para edificar sua casa. Enquanto o dia permanece calmo e o tempo estável, sua casa permanece segura. Mas, vindo repentinamente as tempestades, transformando-se o curso seco do rio em forte correnteza, batendo-se os ventos e a chuva, bem como as águas contra sua casa, ela vem a ruir-se, pois fora edificada sobre a areia. A este construtor é comparado àquele que ouve as palavras de Cristo e não as pratica.
Jesus demonstra que não basta ouvir sua palavra é preciso praticá-la. Diante das provações que virão – e elas chegam, tanto para o ouvinte prudente, como para o insensato – ouvir as palavras de Cristo e não praticá-las é loucura, insensatez, falta de prudência. O nominalismo trata-se de um grande mal. Professar a fé em Cristo, pertencer nominalmente a uma igreja, mas, não comprometer-se com a prática da palavra de Deus, conduz a ruína espiritual.
Tiago em sua carta, fala sobre a importância da prática da palavra de Deus e exorta: “Tornai-vos, pois, praticantes da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos” (Tg 1.22). Aquele que ouve e não pratica a palavra é como alguém que olha no espelho, vê como está sua aparência, mas, logo se retira e nada faz esquecendo-se de como era (Tg 1.23).
É verdade que muitas vezes, até mesmo aqueles que professam uma fé verdadeira em Cristo, sofrem as consequências nesta vida por abandonarem a prática da palavra de Deus em algum momento. Na verdade, todas as vezes que fazemos isso, colhemos consequências dramáticas. A Bíblia tem vários exemplos disso, de servos que em algum momento por não praticarem a palavra de Deus, sofreram consequências.
Podemos citar o exemplo de Jacó (Gn 37—50). Ele ignorou os preceitos de Deus no que se refere à administração de sua grande família. Como consequência, vários problemas familiares ocorreram.
Davi também, em dado momento de sua vida, fez o que era mal perante os olhos do Senhor (2Sm 11—18). Adulterou com Bate-seba, planejou a morte de seu marido Urias e até antes de ser confrontado pelo profeta Natã, agia como se nada tivesse acontecido. Em consequência de não ter praticado a palavra de Deus, colheu sérias consequências em sua vida e família. Deus o perdoou, mas disse que em razão de seu pecado e desobediência, sofrimentos viriam. O filho gerado com Bate-seba morreu. Seu filho Amnom comete incesto com sua irmã Tamar. Absalão, outro filho de Davi, vinga sua irmã, matando Amnon. Tempos depois, Absalão volta-se contra Davi, usurpa seu trono e deita-se a vista de todos com as concubinas de Davi. Depois Abasalão é morto pelo exército de Davi.
O insucesso e a ruína não são apenas consequências colhidas durante esta vida por aqueles que não praticam as palavras de Cristo. Cristãos nominais colherão na última prova a do juízo final, a maior e definitiva ruína. Jesus dirá aos cristãos nominais “naquele dia”: “Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade” (Mt 7.22, 23). Assim, como uma tempestade pode vir repentinamente e pegar desprevenido um construtor insensato assim virá o dia do juízo. Como ocorreu no dia do dilúvio, diz Jesus, assim será na sua vinda. Antes do dilúvio, as pessoas viviam suas vidas normalmente, sem ter sua rotina alterada, ou seja, comiam, bebiam e se casavam. Mas, não perceberam quando Noé entrou na arca, senão quando o dilúvio chegou e os destruiu a todos (Mt 24.36-39). “Por isso, ficai também vós apercebidos; porque, à hora em que não cuidais, o Filho do homem virá” (Mt 24.44).

Conclusão
O Senhor Jesus adverti-nos do perigo de um cristianismo nominal e aponta-nos o caminho da felicidade e sucesso espiritual. Aquele que ouve e não pratica a sua palavra, mais dias ou menos dias, sofrerá as consequências de sua insensatez. Está edificando sua casa (vida) sobre a areia. Vera ruir sua vida e colherá sérias consequências no último dia. Ao contrário, aquele que ouve e pratica a palavra de Cristo, será alguém bem-sucedido espiritualmente nesta vida, e no futuro colherá a vida eterna. Este está edificando sua casa (vida) sobre a rocha.
No Brasil fará alguma diferença o crescente número de evangélicos, quando estes, tornarem-se sua maioria, praticantes da palavra de Cristo. Deixaremos de ter um cristianismo nominal e teremos um cristianismo genuíno.

Aplicação
Faça um inventário de sua vida para verificar se tudo quanto você tem ouvido da palavra de Cristo, você tem praticado. Tenha o hábito de fazer anotações dos sermões que você ouve em sua igreja, e de aplica-los a sua vida e de sua família. Durante a semana reúna-se com seus familiares e discuta o sermão dominical e verifique de que maneira, seus ensinamentos devem ser praticados.



Pai nosso - Mateus 6.9-15

Introdução
A oração do “Pai Nosso”, com certeza trata-se da oração mais conhecida em todo mundo. Não só cristãos, de todas as confissões, mas também, não-cristãos conhecem esta oração. Embora bem conhecida, no entanto, isto não significa que seu conteúdo e significado sejam igualmente conhecidos de todo o mundo. Tal ignorância tem feito com que muitos utilizem esta oração, de forma equivocada, diferentemente do propósito para o qual ela foi dada.
Nesta oração Jesus está apresentando um modelo para as nossas orações. Neste modelo aprendemos como orar e pelo que devemos orar. Qual o conteúdo e significado desse modelo? Sobre isto agora iremos estudar.


I. Um modelo para seguir
A oração do “Pai Nosso” tem a sua importância devido ao fato de ter sido a única oração ensinada pelo Senhor Jesus. Ela só aparece em Mateus 6.9-15, ensinada no contexto do Sermão do Monte (Mt 5—7) e em Lucas 11.1-4, em resposta a um pedido feito pelos discípulos: “Senhor, ensina-nos a orar” (Lc 11.1).
No Sermão do Monte, esta oração é ensinada no contexto em que Jesus faz várias recomendações a seus discípulos, no intuito de livrá-los da hipocrisia religiosa (lição anterior). Desta forma, depois de ensinar seus discípulos sobre a postura correta na oração, Jesus apresenta um modelo de oração a ser usado.
Certamente tal oração foi dada como um modelo. Jesus a introduz desta forma: “Portanto, vós orareis assim”. Literalmente, segundo o original: “Assim (ou: deste modo), pois, vocês devem orar”. Nela Jesus sumariza todos os elementos e princípios que devem conter as nossas orações. Portanto, temos um padrão para as nossas orações. Cada oração que fazemos deve expressar as mesmas verdades e princípios ensinados por Jesus na oração do “Pai Nosso”. Sendo um modelo, esta oração não deve ser repetida mecanicamente, como sendo uma reza, achando-se que a simples repetição, possa trazer algum benefício. O seu uso demasiadamente frequente pode conduzir ao formalismo, o qual Jesus condenou. Isto não quer dizer que ela não possa ser repetida, seguindo-se exatamente as mesmas palavras. Seu uso é adequado no culto ou em privado, quando o adorador ou suplicante a faz com a mente e coração, compreendendo suas implicações e significados.
O “Pai Nosso”, é divido em três partes: 1) Invocação; 2) Petições (seis ao todo, sendo três referentes a Deus e três referentes às nossas necessidades) e 3) Conclusão.
O “Pai Nosso” harmoniza-se com o ensino do Antigo e Novo Testamentos, de que a glória de Deus é importante acima de todas as demais coisas. Isto fica demonstrado pelo fato de que, as primeiras três petições têm referência ao nome, ao reino e a vontade do Pai. Somente em seguida e por último vêm às petições referentes às necessidades humanas (pão, perdão e vitória sobre o mal), que assumem o segundo plano. A prioridade deve ser dada aos interesses de Deus e somente depois, às nossas próprias necessidades. Jesus ensina um princípio não só para ser observado em nossas orações, mas acima de tudo, um princípio que deve controlar toda a nossa vida. Mais adiante, neste mesmo sermão tal princípio é reafirmado: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas [comida, bebida e vestimenta] vos serão acrescentadas” (Mt. 6.33).

II. De que maneira nos dirigimos a Deus?
“Pai nosso que está nos céus”. Estas palavras inicias são muito significativas. Há vários ensinamentos contidos nesta invocação, e que devem fazer parte de nosso entendimento sobre a oração e servir-nos de guia quando oramos.

A. O Pai ouve somente seus filhos
Primeiramente, está implícito aqui que nem todos têm o privilégio de se dirigir a Deus como Pai e serem ouvidos por ele. Este é um privilégio concedido somente àqueles que estão num relacionamento com Deus Pai, como seus filhos adotivos (Jo 1.12; Rm 8.14-17; Gl 4.6; 2Co 6.18; 1Jo 3.1, 2). Há um sentido em que Deus é designado como “Pai de todos os homens”, quando considerado como Criador e Mantenedor de todos (Sl 36.6; Ml 2.10; At 17.24-28). No entanto, o sentido usual nas Escrituras é que Deus é Pai somente de alguns e não de todos. Nem todos podem se dirigir a Deus chamando-o de Pai, pois nem todos são seus filhos. Aliás, Jesus disse que muitos daqueles que o ouviam eram na verdade filhos do diabo (Jo 8.44). Só é considerado filho de Deus aquele que recebe a Cristo Jesus, ou seja, aquele que crê em seu nome (Jo 1.12-13). Portanto, tal filiação a Deus só é alcançada por meio da obra redentora de Cristo Jesus. É no sentido relativo à salvação que o termo “Pai” é utilizado no Sermão do Monte (Mt 5.9, 16, 44, 45; 6.18). Somente pela mediação de Cristo Jesus, alguém pode ser considerado filho de Deus. Sendo assim, embora nesta oração, Jesus não seja mencionado, seu nome e sua obra expiatória estão claramente implícitos nesta invocação. À parte de Cristo ninguém pode se achegar ao Pai (Jo 14.6).

B. Um Pai Amoroso
Jesus em sua oração-modelo ensina seus discípulos a chamarem Deus de Pai. Ele utiliza a expressão Abba, que significa “papai” ou “paizinho”. Embora os israelitas considerassem Deus como seu Pai (Jo 8.39-44) e no Antigo Testamento o conceito de Deus como Pai de Israel estivesse presente (Dt 7.6-8; 14.2; Is 63, 15, 16; 64.8), no entanto, este não era o modo como eles oravam a Deus. Jesus ensina algo complemente diferente dos padrões existentes na época. O Senhor ensina seus discípulos a se dirigirem a Deus como filhos.  Podemos nos aproximar de Deus chamando-o de Pai, Papai. Como Pai amoroso, bondoso, Deus está pronto a receber seus filhos em sua presença nos céus, para ouvir seus louvores e petições. Deus é um Pai que se coloca ao nosso lado, cuidando de nós e por isso podemos invoca-lo. Por meio de Cristo ele nos fez seus filhos e nos colocou em sua família. Nos dirigimos a Deus em termos pessoais, com a intimidade própria existente entre um pai e seus filhos (Sl 103.13).

C. Um Pai soberano e altíssimo
Este Pai, que está perto de nós, é um Deus soberano, excelso, sublime, altíssimo, que habita nos céus. Jesus combina a imanência e transcendência, condescendência e majestade. “Pai nosso” indica proximidade. “Que estás nos céus”, indica que nossa aproximação dele deve ser feita com humildade e reverência. A intimidade não pode se deteriorar a ponto de nosso relacionamento se tornar vulgar, desrespeitoso. Às vezes, isto ocorre em algumas orações que são proferidas usando-se termos jocosos para com Deus. Tal uso certamente não é autorizado conforme o ensino de Jesus.
Nesta invocação, o suplicante também é lembrado de sua verdadeira condição, ou seja, de que é peregrino na terra, e que seu verdadeiro lar está nos céus, onde habita seu Pai (Jo 14.1-4; 17.14-16). Pertencemos a Deus, somos seus filhos, e somos cidadãos dos céus (Fp 3.17-21). Por vezes, nos esquecemos disso e vivemos como se pertencêssemos a este mundo. Neste caso, nossas prioridades se tornam terrenas, quando deveriam ser celestiais. Por esta razão, Jesus nos ensina, sobre o que pedir demonstrando quais devem ser nossas verdadeiras prioridades.

III. Deus vem primeiro
Os primeiros três pedidos expressam a nossa preocupação com a glória de Deus, em relação ao seu nome, ao seu governo e à sua vontade. Primeiro vem a glória de Deus e depois, nossas necessidades.

A. Glória seja dada a Deus
O que significa “santificado seja o teu nome”? O nome de Deus na Bíblia significa a sua própria pessoa, quem ele é. Ele expressa a sua própria natureza e a sua posição. O nome de Deus é o próprio Deus conforme revelado em todas as suas obras. Seu nome revela quem Deus é em suas virtudes e atributos. No Antigo Testamento Deus se revelou utilizando-se de diversos nomes, conforme cada contexto: “Senhor dos Exércitos” (Sl 46.7, 11); “Senhor Justiça Nossa” (Jr 23.6); “O Senhor Proverá” (Gn 22.13, 14); “O Senhor É Minha Bandeira” (Ex 17.15); “O Senhor Que Sara”(Ex 15.26); “O Senhor É Paz” (Jz 6.24); “O Senhor Está Ali [presente]” (Ez 48.35); “O Senhor Que Vos Santifica” (Ex 31.13).
Deus é santo em si mesmo. Nada que fizermos ou pedirmos poderá acrescentar mais santidade a sua pessoa. No entanto, santificar o nome de Deus significa reverenciá-lo, honrá-lo, glorificá-lo e exaltá-lo. Neste pedido expressamos nosso desejo de que outras pessoas conheçam e honrem a Deus com suas vidas. Isto ocorre, todas as vezes que pecadores se rendem a seus pés e o reconhecem como Deus e Senhor.

B. Que o domínio de Deus se estabeleça sobre todos
Jesus ensina também a orar pela vinda do Reino de Deus. Deus é rei. Seu reino é real neste mundo, no entanto, Jesus acrescentou um novo significado com a sua vinda. O Reino de Deus é o domínio de Cristo nos corações. O Reino de Deus deve ser visto em estreita relação com a salvação e suas bênçãos, manifestadas através da obra de Cristo Jesus. Pertencer ao Reino de Deus significa viver em submissão ao governo divino, sob o senhorio de Cristo. Portanto, quando oramos “Venha o teu Reino”, pedimos que ele cresça à medida que as pessoas se submetam a Jesus através do testemunho da igreja, e que logo esse Reino alcance a sua plenitude e consumação com a vinda de Cristo Jesus em glória para assumir o seu poder e o seu reino.

C. Que seus preceitos sejam obedecidos
Na Bíblia, vontade de Deus, pode ter pelo menos dois significados. Primeiro, o termo “vontade” pode significar “decreto de Deus”. Ou seja, os planos eternos de Deus que são realizados sempre, tanto no céu como na terra. Nada foge ao propósito de Deus preestabelecido e predeterminado (Is 46.10). Segundo, o termo “vontade” (este é o significado na petição)  significa os preceitos de Deus para obediência do homem. Esses preceitos fazem parte da lei moral de Deus, que se encontra revelada nas Escrituras. Os dez mandamentos resumem toda a lei moral de Deus. No céu os anjos são obedientes ao Senhor, cumprindo os seus preceitos de maneira santa e perfeita. Pedimos então, que a vida aqui na terra se aproxime o mais possível da vida no céu. Pedimos que todas as pessoas se submetam a vontade de Deus.
Estes princípios devem modelar não só nossas orações, mas acima de tudo, devem modelar todo o nosso viver. Não só devemos orar para que o nome de Deus seja santificado, seu reino venha e sua vontade seja feita, mas viver de tal forma, que tudo isso se cumpra através de nossa vida (1Co 6.20; 10.31). Tais pedidos chocam-se com os padrões deste mundo, tão egocêntrico e materialista. Fazer tais petições com integridade de coração implica num teste para verificar se nossa profissão de fé é verdadeira.


IV. Humilde dependência de Deus
Os três últimos pedidos bem como a conclusão da oração, expressam a nossa humilde dependência de Deus. Jesus ensina que depois de demonstrarmos preocupação com a glória de Deus, podemos pedir por nossas necessidades. Elas são importantes para o Pai, e por isso, também, devem fazer parte de nossas orações. Notem que os pronomes possessivos passam de “Teu” para “nosso”. Dizemos “nosso” e não “meu”. Portanto, nesta oração aprendemos a ser generosos, incluindo em nossas orações as necessidades de todos os nossos irmãos, pois, juntos constituímos uma só família (Ef 2.11-22; 3.14, 15).

A. O pão cotidiano
 No quarto pedido, “o pão nosso de cada dia dá-nos hoje”, Jesus nos ensina a moderação. Somos ensinados a pedir pelo pão de cada dia. Nossa dependência de Deus deve ser diária. A palavra “pão” é símbolo de todas as coisas necessárias para a preservação desta vida, como o alimento, as vestes, a saúde, nossa casa, lar, paz, um bom governo. Jesus ensina seus discípulos a buscar das mãos de Deus, tudo quanto é necessário para se viver neste mundo. Os discípulos devem pedir pão e não luxo, contentando-se com o necessário somente (1Tm 6.6-10). No deserto, os israelitas recebiam de Deus a porção do maná para cada dia e nesta mesma dependência devemos viver.
Este pedido, colocado desta maneira, choca-se com os anseios e esforços meramente terrenos. Pressionados por uma cultura materialista, consumista, hedonista, muitas vezes, nossas preocupações e esforços se voltam para o acúmulo de bens e riquezas. Como consequências de tal atitude, somos dominados pela ansiedade (Mt 6.25-33), abandonamos a dependência de Deus (Sl 127) e negligenciamos o verdadeiro tesouro (Mt 6.19-21). A oração do “Pai Nosso”, apresenta-nos um antídoto a esta situação, ensinando-nos a moderação e a dependência de um Pai solícito.

B. Perdoando e sendo perdoado
Depois das necessidades materiais, incluímos as espirituais: “e perdoa-nos as nossas dívidas”. Tão importante quanto o “pão cotidiano”, é  o perdão de nossos pecados. Neste pedido reconhecemos que não há em nós qualquer justiça própria, que nos faça sem culpa ou dívida para com Deus. Por meio de Cristo podemos ter o perdão de nossas dívidas. Neste pedido, o perdão de nossos pecados está condicionado a atitude que temos para com os nossos devedores. Conforme os versos 14 e 15, o Pai só perdoará aqueles, que semelhantemente perdoam seus ofensores. Isto significa que, nosso arrependimento sincero é confirmado por nossa atitude de perdoar aqueles que nos ofenderam (Mt 18.23-35).

C. A proteção de Deus
O último pedido é duplo, incluindo uma petição negativa “não nos deixe cair em tentação”, e outra positiva, “mas livra-nos do mal”. Neste pedido reconhecemos nossa fragilidade diante das investidas de nosso inimigo e pedimos a nosso Pai que nos livre daquele. Reconhecemos mais uma vez a nossa dependência do Senhor, de que não somos suficientes sozinhos. Portanto, em nossas tentações ou provações, necessitamos da graça de Deus, para que nos ajude e não permita que o nosso adversário tenha êxito.

D. Confiança e dependência reafirmadas
O “Pai Nosso” termina com uma conclusão, que expressa confiança e dependência. “Pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém”. Nesta conclusão, Jesus ensina a seus discípulos que a resposta a todos os pedidos feitos, não se baseia em seus méritos ou esforços, mas em um Deus que é Rei, Soberano, Poderoso e que faz tudo para a sua própria glória.  Nesta conclusão, louvamos a Deus, reconhecendo sua soberania, onipotência e glória.   Com base em tal convicção, o discípulo de Cristo descansa na certeza de que seus pedidos serão ouvidos e respondidos conforme a vontade de Deus, por isso, termina dizendo: Amém!


Conclusão
A oração do “Pai nosso”, trata-se de uma modelo para as nossas orações. Nela encontramos princípios que devem nortear toda a nossa vida. Neste modelo Jesus nos ensina a nos dirigir a um Deus que é soberano, excelso, mas que pode ser chamado de Pai e que ouve as nossas petições. Aprendemos com Jesus que nossas orações devem priorizar antes de mais nada, a glória de Deus. Em primeiro lugar vem o seu nome, seu reino e sua vontade. Em seguida, podemos apresentar os pedidos referentes às nossas necessidades, tanto materiais, como espirituais. Em tais pedidos devemos demonstrar sempre, moderação e humilde confiança em Deus. Pedimos sempre o que é necessário, não o supérfluo ou luxo. Pedimos para nós, como para todos os nossos irmãos. Por fim, Jesus nos ensina que nossas orações devem terminar da forma como começamos, ou seja, na confiança de que Deus como Pai ouvirá nossas orações e que sendo um Rei poderoso e soberano irá respondê-las conforme sua vontade.

Aplicação
Agora que você já sabe como orar e pelo que orar, examine se suas orações têm sido feitas conforme o modelo de Jesus. Faça isso, escrevendo num folha uma oração. Em seguida, verifique se tal oração está de acordo com o que estudamos nesta lição.