quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Martinho Lutero





“O justo viverá por fé”
Romanos 1.17

Martinho Lutero (1483-1546) nasceu em Eisleben, na Saxônia. Era  descendente de uma família de camponeses. Seu pai trabalhava numa mina de ferro e era um homem de poucos recursos durante a infância de Lutero, mas, progredindo depois, pôde dar a seu filho uma educação aprimorada. Com dezoito anos, Lutero ingressou na mais famosa universidade alemã, a de Erfurt, para estudar Direito.
Lutera estava prestes a iniciar sua carreira profissional, quando resolveu tornar-se monge, entrando para o Convento dos Agostinhos em Erfurt. Tal decisão causou grande decepção a seu pai.
No mosteiro, Lutero, passou por uma grande batalha espiritual. Seu ingresso para a vida monástica, se deu como uma tentativa para encontrar a salvação. Apesar de seus esforços, por meio de jejuns, flagelações, vigílias, não conseguia obter alívio para sua alma, que era constantemente atormentada pelo sentimento de pecado e de estar sob a ira de Deus.
A vida de Lutero antes de se tornar reformador, foi bastante agitada. Entrou para o mosteiro em 1505, foi ordenado em 1507, em 1508 foi a Wittenberg, em 1509 a Erfurt, e em 1511 foi convidado a ensinar na universidade de Wittenberg.
Em 1511, em uma viagem que teve que fazer à Roma, para tratar de assuntos relacionados a sua Ordem, fez visitas a diversos lugares sagrados de santos e a igrejas. Nessa visita, para livrar seu pai do purgatório, resolveu subir de joelhos, a escadaria, Scala Sancta (escadaria que se diz ter sido trazida da casa de Pilatos) repetindo o Pai Nosso, em cada degrau. Ao completar a subida, questionou: “Quem sabe se tudo isto é verdade”?
No fim de 1512 e início de 1513, enquanto lia a epístola de Romanos, encontrou as palavras: “Mas o justo viverá pela fé” (Rm 1.17). Tais palavras causaram um impacto muito grande em seu coração. Ao lê-las, pôde compreender que a paz de espírito que tanto almejava e o alívio para o peso de seus pecados, só eram possíveis, por meio da justiça alcançada por Cristo Jesus. Foi então que encontrou paz interior, pois, descobriu que a salvação era baseada na fé em Deus através de Cristo, e não em qualquer obra que ele praticasse. Prosseguiu estudando a doutrina da justificação pela fé e nos estudos do livro dos Salmos e das epístolas de Paulo.
Por mais de quatro anos Lutero trabalhou em Wittemberg sem romper com a igreja Católica. Pregava muito acerca da verdade que havia descoberto, rejeitando os ensinos falsos da igreja.
Em 1517 em Wittenberg, apareceu um homem chamado Tetzel, enviado pelo arcebispo de Mongúcia, vendendo indulgências emitidas pelo papa. Por meio dessas indulgências, prometia-se diminuição das penas do purgatório. Lutero convencido de que tal procedimento desviava o povo do ensino acerca de Deus e do pecado, resolveu enfrentar tal erro. Como resposta, a venda das indulgências e a outros erros doutrinários, Lutero, no dia 31 de outubro de 1517, véspera do Dia de Todos os Santos, afixou na porta da capela de Wittenberg, suas 95 teses.
As 95 Teses de Lutero, foram distribuídas por toda a Alemanha. Tão logo as autoridades católicas tomaram conhecimento de seu conteúdo, começaram a agir contra seu autor. Lutero teve que comparecer a diversas audiências, para se defender. Em sua defesa Lutero ensinou que o papa não tinha autoridade divina e que os concílios eclesiásticos não eram infalíveis. Não sendo demovido de seus posicionamentos, não houve outra alternativa para ele, senão romper coma a Igreja Católica, organizando tempo depois, uma igreja nacional alemã.
Lutero traduziu a Bíblia para a língua alemã. Organizou escolas onde existiam igrejas. Seus escritos tinham larga aceitação, e assim, seu movimento se fortificou na Boêmia, Hungria, Polônia, Inglaterra, Escócia, França, Países Baixos, Escandinávia, e mesmo na Espanha e Itália.

Martinho Lutero, deve ser lembrado por sua grande contribuição, para o desabrochar da Reforma Protestante. Fica claro, que tudo aquilo que ele realizou, se deve antes, ao agir de Deus, que por meio de sua Palavra, conduziu seu servo a verdade do Evangelho.

João Calvino – Vida e Obra



INTRODUÇÃO

  João Calvino trata-se de uma figura muito importante na história do cristianismo, e de maneira especial para o protestantismo de vertente reformada.

Seu trabalho como reformador de Genebra, seus escritos, seu pensamento, transformaram a história no período da Reforma Protestante e exercem seus efeitos ainda hoje.

A vida de João Calvino com toda a sua contribuição, tem sido tema de diversos trabalhos acadêmicos e sua influência não pode ser medida.
Este trabalho terá como objetivo, apresentar referências da vida de João Calvino, de seus escritos e na parte final apresentar elementos importantes de sua teologia.
                  Pretende-se que a abordagem sobre João Calvino, apresentada neste trabalho, desperte o interesse ainda maior do leitor, para estudar e conhecer ainda mais esse grande personagem.
  

1 A Vida de João Calvino – Nascimento e preparação

João Calvino nasceu em Noyon, na Picardia em 10 de julho de 1509, em uma família onde possivelmente ele fosse o segundo filho dentre cinco irmãos (COSTA, 2006, P. 12). Era filho de Gérard Cauvin, “um respeitado cidadão” (CAIRNS, 1992, p. 252), “ligado a nobreza e ao alto clero da sua terra” (NICHOLS, 1992, p. 180) e de Jeanne Lefranc, que morreu quando Calvino tinha 5 ou 6 anos (COSTA, 2006, p. 12).
“Como Gérard era secretário apostólico de Charles de Hangest – bispo de Noyon, de 1501 a 1525 – e procurador fiscal do município, a sua família mantinha íntimas relações com as famílias nobres da região” (COSTA, 2006, p. 12), desta forma, procurou dar a melhor educação para seus filhos. Por causa de sua influência, isto garantiu a Calvino, em 1521 aos doze anos de idade, um benefício concedido pelo bispo de Noyon, que lhe permitiu custear as despesas de sua educação (GEORGE, 1994, p. 168).
Calvino recebeu a sua educação elementar, com os filhos da família Hangest (COSTA, 2006, p. 13). “Além de professores particulares, Calvino estudou na mesma escola dos filhos dos nobres de sua cidade, o Colégio de Capeto” (COSTA, 2006, p. 13).
Em 1523, Calvino vai para Paris, preparar-se para o sacerdócio  e inicia seus estudos na mais famosa universidade da Europa, no Collège de la Marche (CAIRNS, 1992, p. 169), tendo como mestre o grande humanista Maturinus Corderius (COSTA, 2006, p. 13). Alguns meses depois, foi para o Collège de Montaigu - escola por onde passou Erasmo de Roterdã – estudando sob a direção de um mestre espanhol, Antonio Coronel, destacando-se no estudo da gramática (COSTA, 2006, p. 13). 
Em 1528, Calvino conclui o curso de Artes e seu pai o envia para a Universidade de Órleans, para estudar Direito, tornando-se bacharel em Direito em 14 de fevereiro de 1531 (COSTA, 2006, p. 14).
Em 1531, com a morte de seu pai, Calvino volta a Paris para dar seguimento a sua verdadeira paixão, a literatura clássica (GEORGE, 1994, p. 171).



2 A Conversão de Calvino

                 Não se sabe com certeza quando e como se deu a conversão de João Calvino, contudo, estima-se que foi no período entre 1532 e 1534, e que tenha sido influenciado por seu primo Pedro Roberto Olivétan (COSTA, 2006, p. 15).
                 Nichols diz que “a mudança foi resultado das influências dos novos estudos e dos ensinos de Lutero” (1992, p. 181). Em 1533, Calvino teve de fugir de Paris, devido a um discurso que ajudou a preparar,  proferido por Nicolas Cop na Universidade de Paris, que propunha uma reforma na Igreja (COSTA, 2006, p. 15). Nessa época evidenciava mudanças em sua vida, em direção ao protestantismo.  
Em 1534, quando completaria 25 anos, idade legal para ser ordenado, Calvino voltou para  Noyon e renunciou aos benefícios eclesiásticos (COSTA, 2006, p. 15) “Como fica evidente, nesse ínterim, Calvino havia sido convertido ao protestantismo” (COSTA, 2006, p. 15).

3 A Jornada de Calvino como Reformador

A fuga de Calvino de Paris, por causa do discurso de Nicolas Cop, que ele ajudou preparar, revelou o seu espírito reformador e seu envolvimento com o protestantismo. “Calvino deixou o país apressado e encontrou refúgio na cidade reformada de Basiléia, o lar de Cop, que já se encontrava lá” (GEORGE, 1994, p. 176).
Em 1535, o primo de Calvino, Olivétan fez a primeira tradução protestante francesa das Escrituras (COSTA, 2006, p. 7). “A tradução, feita diretamente dos originais hebraicos e gregos, foi utilizada pela primeira geração de calvinistas franceses na proclamação do Evangelho” (COSTA, 2006, p. 17). O Novo Testamento foi editado em 1534 e em 1535, saiu a sua segunda edição com o Antigo Testamento (COSTA, 2006, p.). Esta segunda edição foi revisada e prefaciada por Calvino.
Na cidade de Basiléia em 1536, Calvino publica a primeira edição das Institutas (GEORGE, 1994, p. 176). Este trabalho foi introduzido com uma carta ao Rei Francisco I, com o propósito de convencer o rei a ter uma atitude mais moderada com os companheiros cristãos de Calvino (GEORGE, 1994, p. 177). Contudo, o propósito básico das Institutas era catequético (GEORGE, 1994, p. 178).
Em 1536, Calvino viajou de Paris para Estrasburgo, “onde esperava estabelecer-se para seu antigo desejo de descanso e estudo” (GEORGE, 1994, p. 179). Nessa viagem, pernoitou em Genebra. Em Genebra, Guilherme Farel algum tempo antes, havia levado a cidade a abraçar a Reforma. Farel ficou sabendo que Calvino estava em Genebra e foi ao seu encontro, solicitar ajuda para concluir a reforma na cidade (CAIRNS, 1992, p. 253). Calvino embora tenha relutado no início, aceitou a proposta de Farel. Porém, a permanência de Calvino e Farel na cidade durou menos de dois anos, pois, em abril 1538, por causa de um conflito relacionado à disciplina da Igreja, eles foram expulsos da cidade (GEORGE, 1994, p. 180).
Entre 1538 e 1541, Calvino permaneceu em Estrasburgo, pastoreando refugiados franceses, onde Tomás Bucer dirigiu a Reforma e ensinou teologia (CAIRNS, 1992, p. 253). Nesse tempo, em 1539, lança uma edição totalmente revisada das Institutas, que era três vezes mais longa que a versão de 1536 (GEORGE, 1994, p. 181). Em 1541, publica-se a primeira tradução francesa das Institutas (GEORGE, 1994, p. 181).
Em 1541, Calvino é convidado a voltar a cidade de Genebra para continuar com a Reforma naquela cidade (NICHOLS, 1992, p. 182). O propósito de Calvino de voltar a Genebra, era tornar a cidade “uma república teocrática que seria o modelo na terra do reino de Deus no céu” (OLSON, 2001, p. 419).
Conforme Nichols:
Os meios pelos quais se propusera tornar Genebra uma comunidade cristã foram: uma igreja totalmente reorganizada; leis que expressassem a moral bíblica; um sistema educacional de primeira ordem (1992, p. 182).

Em 1541, em Genebra, Calvino promulgou as Ordenanças Eclesiásticas
Que delineavam as atividades de quatro classes de oficiais na igreja. Elas estabeleciam uma associação de pastores para dirigir a disciplina, um grupo de mestres para ensinar a doutrina,um grupo de diáconos para administrar a obra de caridade e, sobre eles, o consistório, composto de seis ministros e doze anciãos, para supervisionar a teologia e a moral da comunidade, com a faculdade de punir quando necessário, com a excomunhão os membros renitentes. Para garantir a eficácia do sistema, Calvino estabeleceu outras penalidades mais severas (CAIRNS, 1992, p. 254).

Os ideais de Calvino quanto à educação, “inspirados por sua convicção de que a verdadeira religião e a educação estão inseparavelmente associadas” (NICHOLS, 1992, p. 183), resultaram na criação da Academia, em 5 de junho de 1559 (LOPES, 2003, p. 67). A Academia era dividia em duas partes: Schola Privata (colégio com sete classes) e Schola Publica (nível superior com ênfase nas artes e teologia) (LOPES, 2003, p. 67).
Calvino morreu em Genebra em 1564 e Teodoro Beza, o reitor da Academia de Genebra, assumiu a liderança do trabalho na cidade (CAIRNS, 1992, p. 254).

4 Os Escritos de Calvino

Como diz George: “Qualquer pessoa que deseje fazer um estudo completo da teologia de Calvino tem de consultar ao menos seis fontes distintas dentro de seu imenso corpus literário” (1994, p. 185).
Têm-se assim as seguintes fontes:

4.1 As Institutas

Calvino editou As Institutas, inicialmente em 1536 e em 1559 ampliou a deu a forma final a esse trabalho. As Institutas desde o seu primeiro lançamento, foi sendo ampliada por Calvino por toda a sua vida. “Ao todo, ele produziu oito edições do texto latino (1536, 1539, 1543, 1545, 1550, 1553, 1554, 1559) e cinco traduções para o francês (1541, 1545, 1551, 1560)” (GEORGE, 1994,  p. 185).
Leith falando sobre o valor desse trabalho de Calvino, diz que trata-se da “mais influente declaração da teologia reformada em particular e da teologia protestante em geral”, e “é também um marco literário” (1997, p. 182).
As Institutas se dividem em quatro partes, seguindo a divisão do Credo Apostólico: I. O Conhecimento de Deus, o criador; II. O Conhecimento de Deus o Redentor; III. O Modo pelo qual Recebemos a Graça de Cristo; IV. Os Meios Externos ou Auxílios pelos quais Deus nos Chama para a Companhia de Cristo e nela nos mantém (LEITH, 1997, p. 183).
O propósito de Calvino com esta obra era servir a Igreja de Cristo, oferecendo um livro que pudesse
preparar e instruir os que queiram aplicar-se ao estudo da Teologia, que facilmente possam ler a Sagrada Escritura e aproveitar-se de sua lição entendendo-a bem, e ir por um caminho direito sem apartar-se dele (1999, p. 24).

4.2 Os Comentários

João Calvino produziu vários comentários das Escrituras. Seus comentários serviam de complemento as Institutas (GEORGE, 1994, p. 186).
George diz o seguinte sobre os comentários bíblicos de Calvino:
Recorrendo a seu excelente conhecimento de grego e hebraico e a seu treinamento na filosofia humanista, Calvino produziu comentários sobre todo o Novo Testamento, exceto 2 e 3 João e Apocalipse, sobre o Pentateuco, Josué, Salmos e Isaías. Os comentários de Calvino e seus sermões-conferências sobre o Antigo Testamento preencheram 45 volumes na tradução inglesa do século XIX, publicada pela Sociedade de Tradução Calvinista. Todo o trabalho exegético de Calvino é marcado por um lado pela brevidade e, por outro, pela modéstia. Seu objetivo era penetrar na mente do autor tão concisa e claramente possível, evitando demonstrações profusas de erudição e digressões a assuntos secundários. Ele também não hesitava em dizer que não entendia algumas passagens da Bíblia (1994, p. 187).


4.3 Sermões

Como foi visto acima, os seus sermões formam um grande volume de escritos. Ele tinha o hábito de pregar através dos livros da Bíblia. “Seu método era pregar sobre o Novo Testamento aos domingos e sobre o Antigo Testamento nos dias úteis” (GEORGE, 1994, p. 187). Seus sermões eram anotados por diversos fiéis franceses refugiados e alguns deles foram publicados durante a vida de Calvino (GEORGE, 1994, p. 187)

4.4 Folhetos e Tratados

O Pensamento de Calvino pode ser conhecido, além das Institutas, comentários e sermões, por meio de numerosos folhetos e tratados.
Alguns desses escritos eram dirigidos contra oponentes teológicos, como os reformadores radicais (Psychopannychia, 1534; contra os Libertinos, 1545), os católicos romanos (Um Inventário de Relíquias, 1543; Antídoto para o Concílio de Trento, 1547) e os luteranos (Westphal, Heshusius). Outros são abordagens mais gerais sobre temas reformados, como a Necessidade da Reforma da Igreja (1544), Pequeno tratado sobre a Ceia do Senhor (1541) e o Tratado sobre a Predestinação Eterna de Deus (1552) (GEORGE, 1994, p. 188).

4.5 Cartas

                  Calvino escreveu inúmeras cartas, a seus colegas reformadores, a reis e príncipes, a igrejas perseguidas, a protestantes presos, a pastores, a vendedores de livros (GEORGE, 1994, p. 188). George diz que “o alcance internacional da teologia de Calvino e a extensão de sua influência pessoal podem ser captados apenas observando suas cartas” (1994, p. 188).

4.6 Escritos Litúrgicos

                 Consciente de seu papel pastoral e que a maneira de recuperar a  vida moral e religiosa do povo era instruindo-o, Calvino produziu uma confissão de fé e um catecismo para complementar a obra “A Forma das Orações” (1542) (GEORGE, 1994, p. 188).


5 A Teologia de João Calvino

           Dado ao grande conteúdo de escritos de Calvino, trata-se de uma tarefa árdua poder apresentar de maneira completa, o seu pensamento teológico. Desta forma, nesta parte do trabalho, serão apresentados alguns princípios gerais de seu pensamento, que entende-se serem importantes.

5.1 A Doutrina de Deus

                 Calvino inicia o primeiro capítulo das Institutas, tratando sobre “O Conhecimento de Deus e o Conhecimento de nós mesmos” (CALVINO, 1999, p. 3).
Calvino diz:
Quase toda a suma de nossa sabedoria, que, de fato se deve ter por verdadeira e sólida sabedoria, consiste em dois pontos: a saber, do conhecimento que o homem deve ter de Deus, e do conhecimento que deve ter de si mesmo (1999, p. 3).

                   Para George, o fato de Calvino começar falando sobre o Conhecimento de Deus, em vez de tratar primeiramente sobre a sua essência ou ser, “aponta para a centralidade da revelação no pensamento” dele (1994, p. 189).
                    Para Calvino esses dois conhecimentos estão entrelaçados, de tal forma que não se sabe qual deles vem primeiro (1999, p. 3). Para Calvino um conduz ao outro, ou seja, a convicção humana de sua miséria, provocada pela queda, leva o homem a considerar a grandeza de Deus. Diz ele:
[...] ninguém pode contemplar a si mesmo sem que no momento se sinta impulsionado a consideração de Deus, em quem vive e se move; porque não há quem duvide que os dons, em que toda nossa dignidade consiste, seja em maneira alguma nosso [...] Assim mesmo, por nossa pobreza se mostra todavia melhor a imensidade de bens que em Deus reside; e principalmente esta miserável queda, por causa da transgressão do homem caímos, nos obriga a levantar os olhos para cima, não só para que, em jejum e famintos, peçamos a ele o que nos falta, senão também para que, despertados pelo temor, aprendamos humildade (1999, p. 3).

                     Tillich falando sobre a importância da doutrina de Deus para Calvino, diz o seguinte:
O centro de onde emanam todas as demais doutrinas de Calvino é a doutrina de Deus [...]. Ensinou a correlação entre miséria humana e majestade divina. Somente a partir da miséria humana podemos entender a majestade divina e, vice-versa, apenas à luz da majestade divina é que entendemos a miséria humana (2004, p. 259).

                  Calvino entretanto fala do conhecimento duplo de Deus, ou seja, do conhecimento que se tem de Deus como Criador do universo, e do conhecimento de Deus como Redentor, visto apenas na face de Cristo (GEORGE, 1994, p. 189).
                   Para Calvino o homem possui dentro de si o conhecimento de Deus, implantado em seu coração pelo próprio Deus:
Nós, sem discussão alguma, afirmamos que os homens têm um certo sentimento da divindade em si mesmos; e isto, por um instinto natural. Porque, a fim de que nunca se desculpe por pretexto de ignorância, Deus mesmo imprimiu em todos um certo conhecimento de sua divindade, cuja recordação é renovada, como o destilar gota a gota, para que, todos, desde o menor ao maior, entendam que existe Deus e que é seu Criador, com seu próprio testemunho sejam condenados por não havê-lo honrado e por não haver consagrado nem dedicado sua vida a sua obediência (1999, p. 7).

Calvino diz que a prova maior desse conhecimento de Deus no homem, é demonstrada pelo fato de que mesmo entre os selvagens, que não sabem nada sobre a humanidade, contudo, entre eles há tal conhecimento (1999, p. 8). Desta forma, diz Calvino:
[...] desde o princípio do mundo não há região, nem cidade, nem família, que tenha ficado sem religião, e nisto se vê que todo o gênero humano confessa tacitamente que há um sentimento de Deus esculpido no coração dos homens. Além do mais até mesmo a idolatria dá suficiente testemunho acerca disso (1999, p. 8).

                 Para Calvino este conhecimento inato ao homem, de forma alguma pode ser extraído de seu coração, a despeito de afastar-se de Deus, mesmo a ponto de negar a própria existência de Deus (GEORGE, 1994, p. 189).
                  Calvino também entendia que Deus não só se revela ao homem por meio de uma percepção inata colocada no coração humano, mas também por meio da criação, do universo.
Sobre isto diz Calvino:
Deus se revelou de tal maneira na estrutura do universo e se manifesta de tal forma nele dia após dia, que os homens não podem abrir seus olhos sem vê-lO nas suas obras. Sua essência é, na realidade incompreensível, e está oculta da percepção dos homens; mas em cada uma das suas obras gravou marcas tão certas e evidentes da sua glória que mesmo os mais simples e obtusos da raça humana não têm nenhuma desculpa pela sua ignorância dEle (WILES, 1984, p. 30).

                O reformador entende que, embora a revelação de Deus por meio das coisas criadas, possa revelá-lo ao homem de tal forma que não exista desculpa, contudo, se faz necessário, a fim de chegar a um conhecimento verdadeiro do seu Criador, que o homem seja orientado e guiado pelas Escrituras (1999, p. 26). “A Escritura nos mostra o verdadeiro Deus” (CALVINO, 1999, p. 26). Por meio das Escrituras o homem pode conhecer Deus como Criador e Redentor (CALVINO, 1999, p. 27).

5.2 A Doutrina sobre as Escrituras

                Para qualquer um que estude o pensamento de João Calvino, fica evidente, que para o reformador, as Escrituras eram consideradas fidedignas e toda a sua teologia é orientada e fundamenta nelas.
Para Calvino a autoridade das Escrituras, não depende da sanção da Igreja e sim de Deus, que fala por meio dela.
                Diz Calvino:
Visto que Deus não fala diariamente do céu com uma voz audível, mas sim achou por bem dar-nos nas Escrituras um registro permanente da Sua verdade, é necessário para os crentes saber com certeza que as Escrituras nos vieram do céu. Ora, um erro muito pernicioso tem sido divulgado: que as Sagradas Escrituras devem toda a sua importância à sanção da Igreja; como se a eterna e inviolável verdade de Deus dependesse do julgamento do homem [...] é, portanto uma ficção vazia asseverar que a Igreja tem o poder de fazer-se juiz das Escrituras, como se a sua exatidão dependesse da decisão dela (WILES, 1984, p. 38).

                As Escrituras sagradas são ratificadas pelo testemunho do Espírito Santo. Calvino ensina que o uso de argumentos para provar aos homens que as Escrituras provém de Deus, de nada serve,  a não ser que sejam convencidos pelo testemunho intrínseco do Espírito de Deus (WILES, 1984, p. 39).
                Calvino diz:
Todavia, mesmo, que alguém defendesse com sucesso a Palavra de Deus contra os ataques dos contraditores, não estabeleceria com isso no coração deles aquela fé inabalável que a piedade exige. Desde que os homens do mundo pensam que a religião consiste somente de opiniões, querem receber provas pela força dos argumentos que Moisés e os profetas falaram por inspiração divina. Respondo, porém, que o testemunho do Espírito é superior a todos os argumentos. Deus na Sua Palavra é a única testemunha adequada a respeito de Si mesmo, e, de maneira semelhante, Sua Palavra não será verdadeiramente crida nos corações dos homens até que tenha sido selada pelo testemunho do Seu Espírito. O mesmo Espírito que falou através dos profetas deve entrar em nosso coração para convencer-nos que eles entregaram fielmente a mensagem que Deus lhes deu (WILES, 1984, p. 39).

                Desta forma, para a compreensão das Escrituras, a mente humana carece da iluminação do Espírito Santo.
                 Comentando 1 Coríntios 2.11, Calvino diz o seguinte:
Paulo, aqui, pretende ensinar duas coisas: (1) que o ensino do evangelho só pode ser entendido pelo testemunho do Espírito Santo; e (2) que a segurança daqueles que possuem tal testemunho do Espírito Santo é tão forte e firme, como se o que crêem pudesse ser tocado com suas mãos, e isto em razão do fato de que o Espírito é uma testemunha fiel e confiável (1996, p.88).

                  Ainda, quando comenta o verso 12 diz:
Para que pudéssemos conhecer as coisas que foram dadas por Cristo. A palavra conhecer foi usada a fim de externar melhor a garantia da confiança. Contudo, notemos bem que a mesma não é obtida pelas vias naturais, nem é apreendida por nosso poder mental de compreensão, senão que depende completamente da revelação do Espírito (1996, p. 90).

                  Quando Calvino diz que a compreensão das Escrituras não pode vir pelas vias naturais, isto não quer dizer que, não haja necessidade de esforço humano para que tal compreensão seja apreendida. Para o reformador era importante a exegese e o estudo das Escrituras, para que ela pudesse ser exposta aos seus ouvintes com fidelidade. Sobre isso, diz Costa sobre Calvino:
A sua mensagem se constitui num monumento de exegese, clareza e fidelidade à Palavra, sabendo aplica-la com maestria aos seus ouvintes. [...] demonstrando conhecer bem o hebraico, o grego, o latim, os pais da Igreja (2006, p. 41).

                  Convicto da validade e importância  das Escrituras, Calvino “usou de modo especial, o método de expor e aplicar quase todos os livros das Escrituras à sua congregação” (COSTA, 2003, p. 32).

5.3. A doutrina da Salvação

                  O pensamento de João Calvino acerca da salvação, tornou-se o fundamento do sistema conhecido como calvinismo, ou seja, “sistema de teologia e governo que caracteriza as igrejas reformadas” (MATOS, 2000, p. 52). Os que adotam esse sistema são chamados de calvinistas, ou seja, aqueles seguidores de Calvino que “desenvolveram e elaboraram o seu pensamento, sempre a partir dos pressupostos básicos estabelecidos por ele” (MATOS, 2000, p. 52).
                    No que diz respeito a doutrina da salvação exposta por Calvino, os calvinistas resumiram e desenvolveram o pensamento dele em cinco pontos, conhecidos por “Os cinco pontos do Calvinismo”, e identificados pela palavra mnemônica “TULIP”. O TULIP foi uma reação contra o pensamento dos Remonstrance que, era exposto por meio de cinco pontos (LOPES, 2003, p. 55).                             Veja-se a seguir o pensamento calvinista sobre a salvação:

5.3.1 Depravação Total


O primeiro ponto do calvinismo, diz respeito à depravação total do homem. O homem após a queda no Éden, teve todo o seu ser afetado pelo pecado, de tal forma que ele não pode praticar qualquer ato de justiça que agrade a Deus, visto estar morto espiritualmente.
                   Sobre essa condição do homem, Calvino diz:
A Escritura testifica, freqüentemente, que o homem é escravo do pecado. A Escritura quer dizer, desse modo, que o espírito do homem é tão alienado da justiça de Deus que este nada concebe, anseia e promove que não seja mal, perverso iníquo e sujo. Por causa do coração, totalmente embebido com o veneno do pecado, o homem nada pode gerar além dos frutos do pecado. Porém, não se deve inferir disso, que o homem peca como se constrangido por uma necessidade violenta. O homem peca com o consentimento de uma vontade pronta e disposta. Mas, porque o homem, pela corrupção de suas afeições, continua odiando fortemente toda a justiça de Deus e, por outro lado, é intenso em todos os tipos de mal, diz-se que ele não tem o livre poder de escolher entre o bem e o mal – que é chamado de livre arbítrio (2004, p. 18).

                    Deve-se compreender a razão pela qual Calvino ensinou esta doutrina. “Não se trata de um menosprezo pelo ser humano, antes, o objetivo central era despertar no homem que sua salvação não podia partir de obras, mas da graça” (LOPES, 2000, p. 57).

5.3.2 Eleição Incondicional

                     A eleição diz respeito à escolha que Deus fez antes da fundação do mundo, daqueles a quem iria salvar de seus pecados. Por incondicional, quer dizer que tal escolha, não foi feita por Deus com base em algum mérito humano, antes, sem mérito algum escolheu aqueles a quem iria salvar, com base unicamente em sua graça.
                     Falando sobre eleição e predestinação, Calvino ressalta o que foi dito acima, que aqueles a quem Deus escolheu para a salvação, foram escolhidos por misericórdia, e que Deus de outra forma, poderia ter entregado todos a perdição. Diz ele:
Que tenhamos resolvido em nosso interior somente que a dispensação do Senhor, embora encoberta a nós, é, todavia, santa e justa. Se ele desejasse arruinar toda a humanidade, ele teria o direito de assim fazer, e naqueles a quem ele resgata da perdição, só se pode contemplar sua bondade soberana. Reconhecemos, portanto, que os eleitos são recipientes da sua misericórdia (como verdadeiramente são) e os rejeitados, da sua ira, uma ira, no entanto, justa (2004, p. 39).

                     Comentando  a carta de Paulo aos Efésios, capítulo 1, Calvino ensina que a eleição e salvação de pecadores não se deram por mérito e sim pela vontade  de Deus:
Deus nos predestinou nele mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade, para a adoção, e nos fez aceitos por meio de sua graça. No verbo predestinar devemos novamente atentar para a ordem. Nem mesmo existíamos, portanto não existia nenhum mérito propriamente nosso. Conseqüentemente, a causa de nossa salvação não procedeu de nós mesmos, e, sim, tão somente de Deus. Paulo, todavia, ainda não satisfeito com essas afirmações, acrescenta: nele mesmo. [...] Com isso ele está dizendo que Deus não buscou uma causa fora de si próprio, senão nos predestinou porque ele assim o quis. [...] Portanto, ao adotar-nos, o Senhor não levou em conta o que somos, e não nos reconciliou consigo mesmo com base em alguma dignidade que porventura tivéssemos. Seu único motivo é o eterno beneplácito por meio do qual ele nos predestinou (1998, p. 27).

                 Para Calvino a razão em Deus escolher apenas alguns para a salvação, e enquanto outros são deixados na perdição, não pode ser conhecida pela mente humana. Diz ele:
Por que o Senhor usa de misericórdia para com alguns e exercita o rigor de seu julgamento para com outros? Devemos deixar a razão disso somente com ele porque, certamente com uma intenção excelente, ele quis mantê-la encoberta a todos nós. A crueza de nossa mente não pode, de fato, suportar tão grande clareza; nem nossa pequenez pode compreender tão grande sabedoria. De fato, todo aquele que tentar erguer-se a tal altura e não reprimir a temeridade de seu espírito, deve experimentar a verdade do provérbio de Salomão (Pv 25.2) de que aquele que investigar a majestade será oprimido pela glória (2004, p. 39).

Para Calvino então, Deus não está obrigado a salvar ninguém, visto que, ele é soberano para fazer o que lhe agrada. Quando salva, revela a sua bondade soberana e quando condena o faz por causa de sua justiça. “A predestinação se constitui realmente num labirinto do qual a mente humana é completamente incapaz de desembaraçar-se” (CALVINO, 1997, p. 329).

5.3.3 Expiação Limitada


“Esta doutrina refere-se ao alcance ou objetivo da morte de Cristo” (LOPES, 2003, p. 59).
Segundo esta doutrina, Cristo não morreu por toda a humanidade, mas, deu-se em favor dos eleitos somente. Sua obra expiatória foi em favor de um número limitado de pessoas, ou seja, aquelas escolhidas antes da fundação do mundo.
Esta doutrina baseada nos ensinos de Calvino, está relacionada com a doutrina da eleição. Visto que, Deus escolhe somente alguns para a salvação, logo, se depreende de tal ensino, que Cristo deu a sua vida em favor somente daqueles a quem escolheu.
Em seus comentários, Calvino sempre vincula as bênçãos da redenção, alcançadas por Cristo à doutrina da eleição. De tal forma que podemos afirmar que para o reformador, Cristo não morreu por todos , mas, somente pelos eleitos. Em seu comentário sobre a carta de Paulo aos Romanos, fica clara esta ligação feita por ele:
Contudo, não há dúvida de que o apóstolo expressamente afirmou aqui que a nossa salvação tem por base a eleição divina, a fim de poder transitar daqui para o tema que adicionou imediatamente, ou seja: que as aflições que nos identificam com Cristo nos foram destinadas pelo mesmo decreto eterno (1997, p. 295).

                   Comentando Efésios 5.25, Calvino afirma que Cristo morreu pela Igreja e a redimiu (1998, p. 168). Assim, para Calvino a expiação oferecida em Cristo foi limitada à Igreja, constituída dos eleitos.

5.3.4 Graça Irresistível


                     Esta doutrina diz respeito ao chamado eficaz de Deus. Aqueles a quem Deus escolheu, e a favor de quem Cristo morreu, são chamados eficazmente pelo Espírito Santo, de tal forma que não podem resistir a tal chamado. Por graça irresistível, entende-se aquela obra que Deus faz no coração do pecador, mudando a sua vontade, sem que ele possa decidir obedecer ou desobedecer.
Sobre isso diz Calvino;
Deus move a vontade do homem na conversão, de modo eficaz, não deixando à escolha do pecador se ele obedecerá ou desobedecerá. Devemos rejeitar, portanto, uma declaração de Crisóstomo, freqüentemente citada: “Aquele que é atraído por Deus é atraído voluntariamente”, pela qual subentende que Deus espera com a mão estendida para ver se queremos aceitar sua ajuda, ou não. O apóstolo não nos diz que a graça de uma vontade renovada nos é oferecida na condição de a aceitarmos, mas que a própria vontade é gerada por Deus em nós; ou seja, que o Senhor pelo seu Espírito dirige, molda, regula nosso coração e reina nele como o seu próprio reino. [...] [Trata-se de um erro] a saber, que depende do homem aceitar ou rejeitar a graça que Deus oferece [...] (WILES, 1984, p. 125).

                      Desta forma, a graça de Deus é oferecida ao pecador de tal forma, que não depende dele aceitar ou não. Quando Deus a dá, o pecador não tem outra alternativa senão abraça-la, pois, isto implica em dizer que sua vontade foi mudada a ponto de não rejeitar o benefício que lhe foi dispensado.

5.3.5 Perseverança dos Santos


                    Esta doutrina trata-se do quinto ponto do calvinismo. Esta doutrina ensina que uma vez que o pecador recebe a salvação, ele não poderá decair desse estado e perder a salvação, antes, irá perseverar até o fim.
Sobre a perseverança dos santos Calvino diz:
O chamamento eficaz implica na perseverança final. [...] a experiência nos mostra suficientemente que o chamado à fé serve muito pouco, se juntamente com ela não há perseverança, a qual se nos dá a todos. Porém Cristo nos livra desta angústia. Porque, sem dúvidas, estas promessas se referem ao futuro: “tudo o que meu Pai me dá, virá a mim; e aquele que vem a mim, não o lançarei fora”. E: “Esta é a vontade daquele que me tem enviado: que todo aquele que vê o filho, e crer nele, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia”(Jo 6.37, 40). Igualmente: “Minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu as conheço,  e elas me seguem. E eu lhes dou a vida eterna, nem ninguém poderá arrebata-las da minha mão” (Jo 10.27-29) (1999, p. 768).

                     Calvino entende que o crente perseverará até o fim, visto que, esta perseverança se dá por causa da ação de Deus em seu favor, não permitindo que ele se perca. Diz Calvino:
[...] Jesus Cristo, quando ora pelos eleitos não há dúvida de que em sua oração pede o mesmo que pediu por Pedro; a saber, que sua fé não falte (Lc 22.32). Pelo qual concluímos que estão fora de perigo de apartar-se por completo de Deus, visto que, ao Filho de Deus não lhe foi negada sua petição de que seus fiéis perseverem constantemente (1999, p. 769).

                       Ainda sobre a segurança que o crente tem de sua salvação final, Calvino comentando a carta de Paulo aos Efésios, na passagem que fala sobre o selo do Espírito Santo (1.13-14) diz o seguinte:
Essa excelente comparação é extraída  dos selos, por meio dos quais a dúvida é afastada de entre os homens. Os selos imprimem autenticidade tanto aos alvarás como aos testamentos. Além disso, o selo era especialmente usado nas epístolas, para identificar o escritor. Em suma, um selo distingue o que é genuíno e indubitável do que é inautêntico e fraudulento. Tal ofício Paulo atribui ao Espírito Santo, não só aqui, mas também no capítulo 4.30 e em 2 Coríntios 1.22. [...] A genuína convicção que os crentes têm da Palavra de Deus, acerca de sua própria salvação e de toda a religião, não emana das percepções da carne, ou de argumentos humanos e filosóficos, e, sim, da selagem do Espírito, o que faz suas consciências mais seguras e todas as dúvidas removidas (1998, p. 36)

                     Assim, o crente seguro de sua salvação, e tendo, a dúvida afastada de sua mente, perseverará até o fim.
                     Calvino entende que a perseverança deve ser considerada um dom gratuito de Deus. Realizando nos pecadores tanto o querer como o realizar, Deus não permite que a vontade deles falhem, e assim, são capacitados a perseverar (WILES, 1984, p. 125).

5.4 A Doutrina da Providência Divina


                   Para Calvino, Deus governa e sustenta todas as coisas criadas pelo seu poder, mediante a sua providência (WILES, 1984, p. 86).
                  “Calvino distinguia sua visão da providência de dois equívocos populares, o do fatalismo, por um lado, e o do (que se tornou conhecido mais tarde) deísmo, por outro” (GEORGE, 1994, p. 205).
                   Criticando o deísmo diz Calvino;
Seria simplesmente uma noção fria e vazia pensar que Deus criou os mundos em certa época e depois abandonou a obra de suas mãos. Realmente, este é um dos pontos  principais de diferença entre nós e os ímpios, o de reconhecermos a mão de Deus no curso contínuo da natureza tanto quanto a reconhecemos na sua origem (WILES, 1984, p. 86)

                 Nota-se que a doutrina da providência de Deus para Calvino, está inseparavelmente ligada a da criação. O Deus que criou todas as coisas continua a atuar sobre as coisas criadas, sustentado-as e governando-as. Sobre isso diz ele:
A fé deve penetrar mais profundamente; tendo aprendido que Deus é o Criador de todas as coisas, deve concluir que Ele é o Governador e preservador constante delas, e que sua providência especial sustenta, guarda e cuida de cada uma de suas criaturas, até ao menor dos pardais. [...] Na realidade, ninguém acredita seriamente que Deus criou todas as coisas, a não ser que acredite também que Deus continuamente se importa com todas as coisas que criou (WILES, 1984, p. 86).

                       O reformador afirma que pela sua providência Deus governa todas as coisas de tal forma, que não há lugar para acaso, fortuna ou sorte. Diz ele:
Para compreender mais claramente a distinção entre os raciocínios da filosofia e as conclusões da fé, devemos lembrar que a providência de Deus, conforme é ensinada nas Escrituras, está inteiramente oposta à noção de fortuna ou sorte. Em eras passadas e em nossos próprios dias, tem sido, e é, a opinião geral da humanidade que todas as coisas acontecem pelo acaso; e é certo que esta noção falsa obscurece, ou mais, até sufoca todos os pensamentos corretos acerca da providência divina. Se laguem cai vitimado por assaltantes ou feras, se sofre naufrágio no mar por causa de um repentino vendaval [...] todos esses eventos, sejam propícios ou adversos, são atribuídos pela razão carnal à sorte. Mas aquele que aprendeu de Cristo que os cabelos da sua cabeça são contados, procurará uma causa mais  profunda e concluirá que os eventos de todos os tipos são governados pelo conselho de Deus (WILES, 1984 p. 87).

                  Calvino em sua exposição acerca dessa doutrina, procura demonstrar que para o crente crer nela, se torna fonte de conforto e segurança diante das diversas circunstâncias, favoráveis ou não. Assim ele diz:
O conhecimento de tais verdades como estas no torna gratos na prosperidade, pacientes na adversidade e maravilhosamente confiantes da nossa segurança. Em chegando a prosperidade, atribuímo-la à bondade Deus, quer chegando a nós através da agência dos homens, quer através de outros canais. [...] quando a adversidade nos sobrevém, erguemos nossos pensamentos a Deus, e o saber que sua mão a enviou, torna-a mais eficaz para produzir a paciência, a submissão e a tranqüilidade da mente (WILES, 1984, p. 97).

                  Embora todas as coisas sejam governadas por Deus através de sua providência, sendo ele a causa primária,  Calvino salienta que, deve-se considerar as causas secundárias. Isto implica em que os agentes secundários, são responsabilizados por suas ações. Diz ele:
Se sofrer perda mediante sua própria negligência ou descuido, culpará a si mesmo, embora reconheça nisto a mão de Deus. Se alguém que foi entregue aos seus cuidados morrer devido doença, por causa de sua negligência, considerar-se-á culpado, embora saiba que a duração da vida é fixada pela determinação de Deus. Não fará abuso da doutrina da providência de Deus para apresentar desculpas por nenhum pecado (WILES, 1984, p. 98).

O reformador em sua doutrina da providência, compreende que Deus para realizar seus propósitos usa até mesmo a ação de Satanás e de homens maus. Isto não significa, que Deus seja cúmplice das ações pecaminosas dos homens ou de Satanás. Comentando sobre o “espinho da carne” do apóstolo Paulo, “Calvino perguntava como Satanás, que era um assassino desde o princípio, pôde tornar-se assim um tipo de médico para o apóstolo, visto que por meio da enfermidade Paulo obteve muito mais força espiritual” (GEORGE, 1994, p.206). Responde ele:
Minha resposta é que a única intenção de Satanás, em consonância com o seu caráter e costume, é matar e destruir, e a aguilhada de que Paulo fala estava imersa em veneno letal, de modo que era um ato especial da misericórdia que o Senhor convertesse em veículo de cura o que era por natureza um veículo de morte (1995, p. 246).

                  Desta forma, Calvino procura demonstrar que Deus embora faça uso de ações más, os seus agentes serão responsabilizados por desobedecerem aos mandamentos de Deus. Daí, faz ele distinção entre vontade de Deus (que pode ser chamada de decretiva), e mandamentos (vontade preceptiva). O fato de os homens servirem à vontade de Deus cumprindo os seus decretos, não os tornam indesculpáveis, quando para isso, desobedecem aos mandamentos de Deus (WILES, 1984, p. 104).
                 Percebe-se na doutrina da providência de Deus ensinada por Calvino, um esforço por parte do reformador em explicar à luz das Escrituras, todos os acontecimentos da vida terrena.
                Nota-se também, que em seu pensamento teológico, permeia uma lógica, de tal forma que todos os temas desenvolvidos por ele, estão de tal forma entrelaçados, e demonstram uma inter-relação e dependência.

6 Considerações Finais

               Nota-se a importância de Calvino ao se constatar que ele foi responsável, pelo surgimento de um sistema que alcança todos os aspectos da vida humana.
               Calvino soube como aplicar as Escrituras às diversas facetas da vida humana, a ponto de estabelecer a reforma protestante em Genebra,  não só como um sistema religioso, mas, também como um sistema social e político. É claro que a reforma proposta por Calvino, não esteve restrita a Genebra, mas, ecoou para outros lugares e isto aconteceu por meio de seu pensamento, que foi transmitido por meio de seus livros, cartas e comentários.
              O sistema que surgiu a partir de Calvino, o calvinismo, transformou muitas partes do mundo, visto que seu idealizador, procurou aplicar a teologia a todas as áreas da vida, sendo até mesmo considerado como “o pai de uma civilização”.
              Neste trabalho pode-se conhecer um pouco sobre a vida do reformador, bem como parte de seu pensamento teológico. Mas como é sabido, o pensamento de Calvino vai além de suas formulações teológicas doutrinárias. Poderia se  falar sobre outros aspectos de seu pensamento, como no que se refere ao aspecto da educação, da política e da sociedade.
               Os escritos de João Calvino, possuem um campo muito vasto para ser explorado e conhecido, sendo para sempre objeto de estudo e reflexão.

  

7 Referências Bibliográficas

CAIRNS, Earle E..O Cristianismo Através dos Séculos. São Paulo: Edições Vida Nova, 1992.
CALVINO, João. 1 Coríntios. São Paulo: Paracletos, 1996.
______________. 2 Coríntios. São Paulo: Paracletos, 1995.
______________. Efésios. São Paulo: Paracletos, 1998.
______________. Institución de la Religión Cristiana. 5 ed. Barcelona: Felire, 1999.
______________. Instrução na Fé. Goiânia: Logos, 2004.
______________. Romanos. São Paulo: Paracletos, 1997.
COSTA, Hermisten. Calvino de A a Z. São Paulo: Editora Vida, 2006.
________________. Curso Introdutório de Homilética. Maringá: Pensador Cristão, 2003.
GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. São Paulo: Edições Vida Nova, 1994.
LEITH, John. A Tradição Reformada. São Paulo: Pendão Real, 1997.
LOPES, Edson. O Conceito de Teologia e Pedagogia na Didática Magna de Comenius. São Paulo: Ed. Mackenzie, 2003.
MATOS, A. S. Simonton, 140 anos de Brasil. São Paulo: Ed. Mackenzie, 200. (Série Colóquios, v. 3).
NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã. 9 ed. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992.
OLSON, Roger. História da Teologia Cristã. São Paulo: Editora Vida, 2001.
TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. 2 ed. São Paulo: ASTE, 2004.
WILES, J. P. As Institutas da Religião Cristã – Um Resumo. São Paulo: PES, 1984.




sábado, 30 de setembro de 2017

Precursores da Reforma Protestante: John Wycliff e John Huss



No artigo publicado anteriormente, falei sobre um movimento de protesto, surgido no final do século XII, os Valdenses. Hoje, quero falar sobre John Wycliff (1328-1384) e John Huss (1374-1415). Esses dois homens também contribuíram para que a Reforma Protestante eclodisse no século XVI e podem ser considerados seus precursores.
Wycliff era inglês, nascido em Yorkside, tornou-se padre e professor em Oxford. Favorecido pelo espirito nacionalista, que se desenvolvia na Inglaterra, Wycliff desafiou o poder papal, condenando o direito do papa de cobrar impostos da Inglaterra. Wycliff dizia que quando um papa aspira por poder humano e deseja ansiosamente cobrar impostos, não deveria sequer ser considerado um eleito. Entre seus ensinos, declarou que a Bíblia é a única e verdadeira regra de fé e prática. Como fruto desse entendimento, traduziu a Bíblia, da Vulgata (versão latina) para a língua inglesa, para que todo o povo inglês pudesse ter acesso a sua leitura. Para espalhar a Bíblia e divulgar seus ensinos, criou a ordem dos “sacerdotes pobres”, conhecidos como irmãos Lollardos. Wycliff morreu em 31 de dezembro de 1384, vítima de uma ataque cardíaco. Após sua morte, a Igreja católica conseguiu condená-lo por heresia e em 1428, seus restos mortais foram exumados e queimados.
Os ensinamentos de Wycliff influenciaram grandemente John Huss, que passou a ser um grande defensor e propagador de seus ensinamentos. Huss, era da Boêmia (hoje parte da República Checa), estudou na Universidade de Praga, onde mais tarde tornou-se reitor. Essa universidade recebeu estudantes de Oxford que difundiram os ensinamentos de Wycliff. As pregações de Huss coincidiram com o sentimento nacionalista da Boêmia, que desejava também se ver livre do controle da Igreja Romana. Huss, adotou as ideais de Wycliff. Defendia que o cabeça da Igreja é Cristo, que seus seguidores são os predestinados e que as Escrituras são sua lei. Muitos dos discípulos de Huss passaram a rejeitar tudo que na fé e na prática da Igreja Romana, não se encontrasse na Bíblia. Huss foi condenado como herege pela Igreja Romana e sentenciado a morte foi queimado em 6 de julho de 1415. Seus seguidores, após sua morte, formaram uma organização religiosa chamada de “Irmãos Boêmios” ou “Irmãos Unidos”. Desse grupo surgiu a mais famosa igreja missionária da história, a Igreja dos Morávios.

Wycliff e Huss foram importantes líderes de sua época e contribuíram para que a Reforma Protestante acontecesse no século XVI. Ambos foram influenciados pela leitura da Bíblia, da Escritura Sagrada. A Palavra de Deus mostrou-se mais uma vez na história, ser poderosa para influenciar e transformar vidas. Que essa mesma influência e poder se faça sentir em nossos dias e em nossa vida.

Os Precursores da Reforma Protestante: Os Valdenses



Neste mês comemoramos 503 Anos da Reforma Protestante. A data de 31 de outubro de 1517, refere-se ao ato de Martinho Lutero, afixar as suas 95 Teses na Capela de Wittenberg, na Alemanha, condenando diversos ensinos católicos. É claro, que a Reforma Protestante, não ocorreu somente devido a este ato de Lutero, antes, ela foi resultado da grande insatisfação que existia dentro da Igreja Romana. Várias eram as causas para essa insatisfação: 1. Espírito Nacionalista: desejo das nações de se libertarem da interferência papal; 2. Decadência Espiritual da Igreja: imoralidade do clero, superstição e misticismo; 3. Povo abandonado: descaso da igreja para com o povo, que não recebia assistência espiritual; 4. Queda Papal: disputa política dentro da igreja, bem como disputas entre o papado e os reis; 5. Inquietude social: revolta de camponeses contra a opressão dos fazendeiros e revolta contra a igreja por ser indiferente a essa situação. Tal insatisfação gerou diversos movimentos de protestos, liderados por homens, que se tornaram personagens importantes, a quem chamamos de Precursores da Reforma Protestante. Esses movimentos de protestos, ocorreram durante os séculos 12 à 16, culminando na Reforma Protestante.
Um desses movimentos de protestos foi encabeçado pelo grupo que recebeu o nome de Valdenses. Este grupo tinha esse nome por causa de Pedro Valdo, um rico comerciante que vivia em Lyon, na França, em 1176. Pedro Valdo começou a dar atenção e a praticar os ensinamentos bíblicos, especialmente de Mateus 10. Colocando em prática os ensinamentos de Jesus neste texto, vendeu todos os seus bens, distribuindo o valor para os pobres e começou a pregar o Reino de Deus e a estudar o Novo Testamento. Tão logo iniciou suas pregações, começou a ter seguidores e muitos admiravam-se da sua fé.
Para os Valdenses, a Bíblia era a única regra de fé e prática. Como resultado, começaram a combater os ensinos da Igreja Romana, que consideravam contrários a Bíblia, tais como: 1. O ensino da tradição como superior a Bíblia; 2. O ensino do purgatório; 3. A missa e orações pelos mortos;  4. O culto à Maria; e etc.
A Igreja Romana, tão logo tomou conhecimento dos ensinos de tais opositores, tomou providências na tentativa de os fazer calar. Valdo e seus seguidores foram excomungados da Igreja Romana em 1184 pelo Papa Lúcio III. Contudo, tal providência, não foi suficiente para calar os Valdenses. Eles continuaram a pregar e se organizaram numa igreja à parte da Igreja de Roma. Apesar de constantemente terem sido caçados pela Inquisição, eram intensamente ativos na pregação do Evangelho e na distribuição de porções bíblicas na língua do povo. Até hoje os valdenses podem ser encontrados no sudoeste de Turim, Itália.
Ao lembrar dos Valdenses, agradeçamos a Deus, por não permitir que sua Palavra ficasse esquecida. Mesmo em meio a circunstâncias sombrias e desfavoráveis à Igreja de Cristo, Deus despertou pessoas, para que movidas pelos ensinamentos do Evangelho, fizessem propagar a sua Palavra.

sábado, 2 de setembro de 2017

No que depende de mim, estou pronto...

O apóstolo Paulo em Romanos 1.15, demonstra a prontidão que tinha para a anunciar o evangelho de Cristo aos habitantes de Roma. Esta prontidão que Paulo nutria com respeito a pregação do evangelho, era fruto de sua convicção, de ter sido chamado para ser apóstolo. Pesava sobre Paulo o dever que tinha de anunciar o evangelho (1Co 91.16).
Semelhante a Paulo, o Rev. Ashbel Green Simonton, teve o mesmo sentimento. Depois de sua conversão resolveu cursar o Seminário, preparando-se para o ministério pastoral. No Seminário, no dia 14 de outubro de 1855, depois de ouvir um sermão proferido por seu professor o Dr. Charles Hodge, sentiu-se despertado pela necessidade de pregar o evangelho aos pagãos e passou “a pensar seriamente no trabalho missionário no estrangeiro” (O Diário de Simonton. Cultura Cristã, 2002, p. 96). Em 10 de outubro de 1857, Simonton escreve a respeito de sua decisão de ser missionário: “No que depende de mim, estou pronto para partir; e sinto, mais do que nunca, ser este o caminho de meu dever” (O Diário de Simonton, p. 110).
É claro que o dever de pregar o evangelho, que Paulo e Simonton tinham sobre seus ombros, não se trata de um dever exclusivo, daqueles que são chamados e separados para o ministério pastoral e missionário. Todos os crentes, independentemente se são ou não vocacionados para o ministério pastoral ou missionário, são chamados por Cristo para serem suas testemunhas fiéis e desta forma, possuem também o dever de pregar o evangelho (Mt 28.18-120; At 1.8).
Esta obrigação que temos, que recebemos por ocasião de nossa conversão, deve também, exercer sobre nós um peso, conduzindo-nos a mesma disposição e prontidão para pregarmos evangelho a toda a criatura. Cada crente é capaz de “proclamar as virtudes daquele que [nos] chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pe 2.10).

Que a declaração do apóstolo Paulo, repetida mais tarde por Simonton, seja também a nossa: “No que depende de mim, estou pronto”.