Como reação ao avanço e à ameaça que a Reforma
Protestante representava, a Igreja Católica tomou algumas medidas. Uma delas
foi convocar um concílio, conhecido como Concílio de Trento. Esse concílio foi
convocado e teve seus trabalhos iniciados a partir de 1545, durando até 1563,
sendo o XIX Concílio Geral da Igreja, conforme a Igreja Católica Apostólica
Romana. Várias medidas foram tomadas, proporcionando tanto reformas internas
para a Igreja Católica, bem como realçando sua oposição ao Protestantismo.
Jean Delumeau diz que, por um lado, o Concílio de
Trento foi um avanço para as forças católicas de reforma. Por outro lado,
Porém, foi também
a negação do diálogo com a Reforma, a abrupta afirmação de posições
antiprotestantes. Para rechaçar com maior força a justificação pela fé somente,
exagerou no valor as obras e desenvolveu a noção de mérito. O Concílio, frente
a Lutero e Zuínglio, que haviam burlado as indulgências e as peregrinações,
frente a Calvino, que havia ironizado sobre as relíquias, manteve todas as
formas tradicionais de piedade; confirmou também o culto as imagens.
Martin N. Dreher resume os principais aspectos quanto
ao significado histórico de tal concílio:
a) Com suas formulações antiprotestantes, o Concílio de Trento
sacramentou definitivamente o cisma da igreja ocidental; b) Com a formulação de
uma confissão de fé própria, a Professio fidei Tridentinae, em 1546, a qual
deveria ser professada então por todos os sacerdotes católico-romano, a igreja
católica-romana passou a ser uma igreja confessional; c) Ao se tornar normativo
para a reforma interna do catolicismo romano, superou o nominalismo, deu a seus
adeptos uma doutrina clara (essa clareza se havia perdido em grande medida) e
lançou as bases para uma Igreja universal, ao reformar a administração e a vida
eclesiástica.
O Concílio de Trento, embora tenha sido proposto numa
tentativa de reformar a Igreja e responder, de certa forma, aos anseios
populares que motivaram a Reforma Protestante, como se percebe, distanciou-se
desta. Frente ao princípio formal da Reforma Protestante da suficiência
e
inspiração
das Escrituras Sagradas (Bíblia), o Concílio de Trento aceitou a inspiração das
Escrituras Sagradas e, no entanto, equiparou a ela a tradição apostólica oral,
como norma de conduta e doutrina
.
Com respeito aos sacramentos, a Igreja Católica
manteve os sete sacramentos, re-enfatizando sua eficácia para a salvação do
pecador. Negou-se a liberdade cristã e o sacerdócio dos crentes, doutrinas
afirmadas por Lutero e outros reformadores protestantes. Manteve-se o caráter
sacrificial da missa, considerando-a literalmente a repetição do sacrifício de
Cristo. Ainda com respeito à eucaristia oferecida na missa, reafirmou a
presença real de Cristo nos elementos, pão e vinho, contrapondo as teorias de
Calvino e Zuínglio
. O
matrimônio só seria válido se realizado pela Igreja
.
A questão das indulgências, que foi algo atacado veementemente
por Lutero em suas 95 Teses, também manteve-se, embora tenha-se proibido a sua
venda por dinheiro
.
Outra questão importante estabelecida foi a
autoridade papal, considerada pelo Concílio como sendo universal
.
Conforme tais medidas doutrinárias e reafirmações,
percebe-se o distanciamento do que propunha a Reforma Protestante,
estabelecendo-se ainda mais o abismo entre as duas posições.
Outra medida tomada pela Igreja Católica frente ao
avanço Protestante foi o revigoramento da Inquisição, em 1542
.
Esse instrumento foi responsável pela morte de um grande número de pessoas, de
protestantes, embora não tenha sido de uso exclusivo contra protestantes, mas
também contra judeus e outros que eram acusados de heresia. Sendo assim, a obra
da Contra-Reforma Católica usaria quando necessário a força, para restabelecer
o domínio católico nos lugares que haviam adotado a Reforma Protestante.
É importante esclarecer, como diz Delumeau, que esse
período da história foi marcado por um espírito de intolerância religiosa
.
E isso não se deu apenas do lado católico, mas também do lado protestante. No
entanto, as perdas foram maiores para o lado protestante.
Sobre essas manifestações de intolerância, que
resultaram em grandes massacres, Delumeau apresenta vários fatos demonstrando a
situação de tal período:
O ódio ao herege
se generalizou. Francisco I permitiu o extermínio de 3.000 habitantes do Vaux.
Felipe II liquidou em cinco grandes autos de fé praticamente a todos os
protestantes e erasmistas da Espanha. Cerca de 30.000 reformados foram vítimas
na França, na Noite de São Bartolomeu e de suas seqüelas, tanto em Paris como
em províncias. Nos Países Baixos, no outono de 1572, o duque de Alba ordenou o
saque da cidade de Malinas e o degolo dos protestantes de Zutphen. Porém a
intolerância era mútua: Maria a Sanguinária, autorizou um número de execuções
aproximadamente igual a da que ordenou Isabel. Na Europa do século XVI
instalaram-se por toda a parte fúrias iconoclatas: em Wittenberg em
1522, em Provenza e em Delfinado em 1560, e nos Países Baixos em 1566. Nesta
última região os “mendigos” enterraram vivos os monges, deixando aparecer a
cabeça, que serviu de alvo em um sinistro jogo de bolas. Na Inglaterra de
Isabel se abriu um canal aos mártires católicos para arrancar-lhes o coração e
as vísceras. [...] A intolerância religiosa era a norma. Calvinistas e
luteranos disputavam acerca da presença real, porém se puseram em acordo para
perseguir a todos os dissidentes do protestantismo, e em primeiro lugar os anabatistas.
Um outro detalhe a se perceber é que as lutas
religiosas promovidas pela Igreja Católica contra os protestantes, com apoio
dos reis, não se davam única e exclusivamente por razões religiosas. Havia um
interesse político, mesclado muitas vezes ao interesse religioso. Sobre isso,
Delumeau diz:
Quando se
considera a Contra-Reforma como reconquista das regiões perdidas pela Igreja
romana, é obrigado fazer certas pontuações. Em primeiro lugar, esta: as
ambições políticas se mesclaram sempre com os propósitos confessionais. Se
houvesse triunfado a Armada Invencível (1588), não só se haveria restaurado o
catolicismo mais além do canal da Mancha, senão que também haveria sido
eliminada uma perigosa concorrência marítima e reduzida as ambições coloniais que
a Espanha começava a temer seriamente.
Assim, o interesse em tais guerras, que
principalmente se voltaram contra os protestantes, não se deu unicamente por
motivos religiosos. Em nome da religião, com o apoio dos governantes com seus
interesses políticos, vários massacres aconteceram. Em outros casos, em que a
vitória militar permitia, procurou-se “converter as massas protestantes por
toda sorte de meios: missões, criação de colégios e universidades, e toda
classe de pressões para asfixiar a religião contrária”
.
Tal situação de conflito e perseguição se estenderá a
todo o território que tiver adotado a Reforma Protestante. O Brasil não será
exceção desses conflitos e de perseguição religiosa. Logo nas primeiras décadas
de sua história, no século XVI, protestantes virão para este território, alguns
até mesmo com a esperança de poder aqui exercer sua fé com liberdade. No
entanto, essa liberdade não virá antes de perseguições e a liberdade religiosa
tão aguardada só será legalmente possível alguns séculos depois, no século XIX,
com a proclamação da República. A presença protestante no Brasil no período
colonial se dará por meio de invasores com interesses que iriam além do
religioso, mas que também teriam um caráter religioso. Desta forma, para os
portugueses católicos, expulsar tais invasores, além de garantir os interesses
políticos, econômicos e expansionistas, significava também investir contra os
hereges protestantes.