Introdução
“A
maioria de nós, quer estejamos ou não cônscios disso, fazemos as coisas com o
olho na aprovação de algum auditório. A questão não é se temos um auditório,
mas qual o auditório, qual o ouvinte, que temos.” Esta observação é feita por
Os Guinness em seu livro O Chamado,
editado pela Editora Cultura Cristã.
Os
Guinness toca em um ponto muito importante e que raramente percebemos, ou seja,
nossa preocupação em fazer as coisas de
tal maneira que tenhamos a aceitação das pessoas, ao invés de procurarmos
agradar e servir Àquele que tudo sabe
e tudo vê. O que irão pensar de mim?
Terei aceitação das pessoas? Serei notado? Estas e outras perguntas passam a
determinar nossas ações e comportamento, demonstrando que buscamos aceitação de
um auditório que não deveria ter a prioridade. No final das contas tal atitude
revela que nossa motivação para fazer as coisas é pecaminosa e egoísta. Isto
demonstra que a todo o momento, a cada ação precisamos repensar nossa
motivação.
I. Agindo para servir a Deus, não para ser visto pelos homens
As palavras
de Jesus ditas em 6.1: “Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos
homens, com o fim de serdes vistos por eles”, parecem contradizer seu ensino em
5.16: “Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as
vossas boas obras”. A contradição é apenas aparente, pois em 5.16, Jesus está
combatendo a nossa negligência e em 6.1, ele está combatendo outro pecado, o da
ostentação e exibicionismo. Devemos mostrar quando somos tentados a esconder
(5.16) e devemos esconder quando somos tentados a mostrar. Em ambos os casos o objetivo
deve ser sempre o mesmo. Ou seja, devemos praticar boas para que sejam vistas
pelos homens e Deus seja glorificado e devemos praticar nossos atos religiosos
em secreto para que Deus da mesma maneira seja glorificado. Ao mostrar ou
esconder devemos glorificar a Deus. Em cada caso somos tentados a buscar o
nosso próprio interesse. Ao esconder nos esquivamos de nossa responsabilidade,
talvez evitando algum constrangimento ou comprometimento pessoal. Ao mostrar
buscamos egoisticamente aprovação dos homens. Portanto, para não corrermos o
risco de nos tornarmos egoístas, façamos tudo diante do Auditório de Um Só, ou seja, diante do “Pai que está nos céus”
(5.16; 6.1).
As três
práticas religiosas através das quais os discípulos deveriam exercer a sua
“justiça”, ou seja, dar esmolas, oração e jejum, eram comuns entre eles. Jesus
parte do pressuposto de que seus discípulos se ocupariam de tais práticas e
desta forma, passa a ensina-los como deveriam fazer. De que maneira então, os
discípulos de Jesus devem exercer sua justiça e servir a Deus?
II. No socorro aos necessitados – Mt 6.2-4
A lei de
Deus, transmitida por Moisés ensinava sobre o dever de socorrer aos
necessitados (Ex 23.10, 11; Lv 19.10; Dt 15.7-11). Jesus havia demonstrado a
pouco, sobre a benignidade de Deus para com todos, e ensinado sobre o dever de
seus discípulos imitarem o Pai celeste (5.43-48). Portanto fazer o bem
socorrendo aos necessitados trata-se sem dúvida nenhuma de um ato de amor e
compaixão. Aliás, Jesus parte do pressuposto de que seus discípulos realizariam
isso. Mas, para Jesus, realizar feitos de generosidade não bastava. O Senhor
vai mais além. Ele está preocupado em que seus discípulos não só pratiquem boas
obras, mas que tenham a motivação certa em tais realizações. Esta é uma preocupação
que Jesus tem do início ao fim no seu Sermão do Monte.
Nos dias de
Jesus havia uma preocupação com os necessitados. Os judeus faziam isso com
frequência. Havia a prática de recolher donativos nas sinagogas e nas ruas,
para ofertar aos pobres. Apesar de tais ofertas servirem para amenizar o
sofrimento alheio, tratava-se apenas de um pretexto para que seus ofertantes se
exibissem e tirassem proveito disso. Aqueles que ofertavam “tocavam trombeta”
diante de todos. Jesus está aqui utilizando-se de uma linguagem simbólica, para
se referir a atitude dos fariseus, que se esforçavam de todas as formas para
que seus feitos fossem exibidos e eles recebessem honrarias humanas. Jesus
condena tal prática e chama os que agem assim de hipócritas. “Hipócrita” é uma
palavra que no grego clássico, hupokrités era primeiro, um orador e,
então um ator. Figuradamente, a palavra passou a se aplicar a qualquer pessoa
que trata o mundo como se fosse um palco, onde interpreta um papel, ou seja,
deixa de lado sua verdadeira identidade e assume uma identidade falsa. Eram hipócritas, pois fingiam dar quando na
verdade queriam receber, ou seja, as honrarias humanas. Tais pessoas já
receberam a sua recompensa, diz Jesus, ou seja, os elogios humanos que tanto
desejavam, e só isso.
Jesus
ensina seus discípulos a maneira correta de se socorrer aos necessitados (6.3).
Ao se dar esmolas a mão esquerda não deve saber o que a direita faz. É claro
que isso não é possível acontecer literalmente. O que certamente Jesus estava
ensinando, é que ao socorrer alguém, a pessoa deve conservar sua contribuição
voluntária em segredo, não somente em relação aos outros, mas também em relação
a si mesmo. Tal pessoa deve ignorar sua contribuição e esquece-la. Jesus
adverte-nos aqui, do perigo de um ato de misericórdia altruísta, se deteriorar
e se transformar num ato egoísta, em que a motivação principal não seja o
benefício da pessoa que recebe a ajuda, mas o nosso próprio.
No verso 4,
Jesus declara que a atitude secreta de socorrer aos necessitados será
recompensada por Deus. É ele mesmo que no dia do juízo, concederá a cada um a
recompensa (Mt 25.34-36). É claro que os benefícios não são somente futuros. A
alegria e uma boa consciência por ter beneficiado e socorrido alguém, já é um
recompensa antecipada.
II. Na vida de oração – Mt 6.5-8; 7.7-12
A. Uma oração sincera e humilde
A oração
também era outra prática utilizada pelos fariseus hipócritas, como pretexto
para a autopromoção. Um judeu devoto orava em média três vezes ao dia (Sl
55.17; Dn 6.10; At 3.1). Jesus não está aqui condenado a oração pública e
ensinando que a única válida é aquela feita em privado. Também não havia nada
de errado em se orar de pé nas sinagogas e nas praças. A oração pública é
apropriada, tem o seu lugar, por exemplo, no culto público. Há exemplos
bíblicos de orações públicas (2Cr 6.14-42; Ne 9; At 4.24-31) Mesmo quando se
trata de uma oração individual e pessoal, não há nada de errado de ser feita em
público.
Na parábola
do fariseu e do publicano, não havia nada de errado com estes homens em
proferir suas orações pessoais no templo de forma pública. Jesus não condenou o
fariseu por isso, e sim, por fazer de sua oração um instrumento para sua autoglorificação
e não para servir e glorificar a Deus (Lc 18.9-14).
A ênfase
principal de Jesus não está no lugar da oração, e sim, na motivação do coração.
Sua preocupação não está em que as orações sejam feitas em segredo, mas que
tenham motivações sinceras. Jesus está condenando na prática da oração, a
autopromoção. Por isso, instrui seus discípulos a buscarem no anonimato do
quarto fechado, um lugar apropriado para suas devoções. Notem que não basta
orar no quarto, mas deve-se fechar a porta. O adorador sincero e humilde, que
não está interessado em se mostrar publicamente com o fim de se autopromover,
encontrará no isolamento um lugar apropriado para suas devoções.
Novamente
Jesus declara como havia feito em 6.2, que aqueles que fazem uso da oração,
como das esmolas, para receberem elogios dos homens, já receberam sua
recompensa, ou seja, os elogios dos homens. Mas, para aqueles que são
adoradores sinceros e humildes, podem ter a certeza de que o Pai celeste os
recompensará, pois está vendo-os no secreto e ouvindo suas orações. Terão
consciência de que o Pai, em seu cuidado amoroso responderá suas orações,
dando-lhes o que for melhor, conforme a sua soberana vontade. Certamente terão
a mente e coração revestidos da paz que excede todo entendimento (Fp 4.7) e
saberão que Deus poderá fazer mais do que estão pedindo (Ef 3.20, 21).
B. Deus não é um Pai desinformado
Para uma oração sincera não se deve somente evitar a publicidade, mas
também o falatório desnecessário, como indica Jesus: “E, orando não useis de
vãs repetições” (6.7). É possível que Jesus tivesse em vista os escribas, que
para justificar a exploração das viúvas, faziam longas orações (Mc 12.40; Lc
20.47). Seja como for, Jesus condena essa prática como sendo pagã. É claro que
isto não significa que uma oração extensa seja sempre errada. Há exemplos
bíblicos de orações longas, mas que não incorreram em falatório repetitivo e
vão (2Cr 6.14-42; Ne 9). O que se deve evitar é a prática pagã de ficar fazendo
orações longas e repetitivas. Um exemplo disso é a oração dos sacerdotes de
Baal (1Rs 18.25-29). Eles ficaram desde a manhã até o meio dia, clamando por
seu deus, e como sabemos, não tiveram suas orações atendidas, visto que
clamavam a um falso deus, feito por mãos humanas. Outro exemplo disso, seria a
reza do terço católico, em que a pessoa repete algumas dezenas de ave-marias e
pai-nossos.
Jesus
demonstra por suas palavras que tal atitude é baseada no medo de não ser
atendido e na falta de confiança. Deus, não é um Pai desinformado. Ele sabe das
necessidades de seus filhos, antes mesmo que eles peçam (6.8). Ele não é como
os falsos deuses. Ele é um Pai onisciente, onipresente e onipotente, capaz de
conhecer e satisfazer as necessidades de seus filhos, antes mesmo que eles
peçam. Portanto, nossas orações devem ser objetivas e concisas. A
acessibilidade de nossas orações não depende do número de palavras ou da
extensão delas.
C. Jesus encoraja à oração perseverante
Existe uma
diferença entre ser repetitivo e ser insistente ou perseverante na oração.
Jesus condena a as vãs repetições e o falatório desnecessário. No entanto, não
desencoraja a prática da oração perseverante.
Em 7.7, Jesus
utiliza três verbos demonstrando assim a necessidade que seus discípulos têm de
perseverar na oração. Os verbos, pedir, buscar e bater, estão no imperativo e
no tempo presente. Uma tradução possível seria: “continuem pedindo, continuem
buscando, continuem batendo”. Desta forma, a combinação desses três verbos
demonstra que na oração devemos ser insistentes, perseverantes. Para cada um
dos mandamentos, quando obedecidos há uma promessa correspondente. Quem pede,
recebe; quem busca encontra; e a quem bate abrir-se-lhe-á (7.8). Em outras
palavras, Jesus ensina que seus discípulos terão sempre suas orações
respondidas.
Jesus
reforça seu argumento, de que a oração perseverante, feita com fé será
respondida, utilizando-se de um argumento que parte do menor para o maior
(7.9-11). Assim como um pai terreno, mesmo sendo mau, sabe dar coisas boas a
seus filhos, quanto mais o Pai celeste dará coisas boas aos que lhe pedirem.
Portanto, os discípulos de Cristo podem descansar seguros de que suas orações
serão respondidas e que o Pai celeste, como um pai bondoso e cuidadoso, cuidará
de suas necessidades, dando-lhes o que for melhor (Sl 81.10; 103.13-14; Mt
6.25-34; Jo 15.7; Hb 4.14-16).
III. Na prática do jejum – Mt 6.16-18
O jejum trata-se da abstinência voluntária de alimentos, a que se
submete uma pessoa por um determinado tempo. Pode ser por um breve tempo ou por
um tempo prolongado. Jesus por exemplo, jejuou por quarenta dias e quarenta
noite antes de ser tentado pelo diabo (Mt 4.1-11).
Biblicamente
falando, ele servia a diversos propósitos. O jejum podia ser uma expressão de
humilhação e tristeza por causa do pecado acompanhado de confissão pelo pecado
(Dn 9.3-6; Jn 3.5). A rainha Ester convocou seu povo para jejuar em favor dela,
para que ela fosse bem-sucedida ao entrar na presença do rei e assim, pudesse
salvar seu povo de ser exterminado (Et 4.16). Às vezes ocorria por causa do
luto (1Sm 31.12). Neemias jejuou depois de saber as notícias tristes sobre a
situação de seu povo em Jerusalém (Ne 1.4). A Igreja Primitiva jejuou
preparando-se para o envio de Barnabé e Saulo como missionários (At 13.1-3). Em
Atos 14.23, durante a escolha de presbíteros houve jejuns e oração. Não há
dúvida que a prática do jejum existia no Antigo Testamento e continuou a fazer
parte da vida da igreja no Novo Testamento. Portanto, o jejum deve ser
considerado uma prática espiritual de devoção cristã.
Os fariseus
da época de Jesus jejuavam duas vezes por semana, o que se tornou motivo de orgulho
para eles (Lc 18.12). Os discípulos de João Batista jejuavam com frequência,
mas os discípulos de Jesus não jejuavam. Jesus disse que seus discípulos não
tinham motivo para jejuar, visto que, não havia razão para tristeza, pois eles
tinham a sua companhia. Porém, Jesus diz que quando não tivessem mais a sua
companhia, ai então haveria motivo para jejuarem (Mt 9.14-15; Lc 5.33-35). Certamente,
Jesus com tais palavras não queria desencorajar a prática do jejum, antes
demonstra que o jejum é adequado quando há um motivo justo para praticá-lo.
Assim como as práticas de dar esmolas e orar, podem se deteriorar, quando
realizadas pelas razões erradas, para a promoção de quem as pratica, assim
também, o jejum pode perder o seu valor e significado, se praticado por razões
fúteis e egoístas. Os fariseus hipócritas ao jejuarem faziam de tudo para que
as pessoas pudessem perceber que jejuavam (6.16). Possivelmente, passavam cinza
no rosto para aparentarem estar pálidos. O jejum era outra forma de se
autopromoverem, de alimentarem sua vaidade. Por isso, Jesus diz que já haviam
recebido a sua recompensa, o elogio dos homens. Ao jejuar o adorador deve
seguir a sua rotina. Ao se levantar deve se pentear, lavar o rosto e fazer todo
possível para que seu jejum não seja aparente. O jejum deve ser discreto, pois,
ele interessa apenas a pessoa que o pratica e a Deus que o recebe como uma
oferta. Desta forma, feito em secreto, será recompensado pelo Pai que vê em
secreto (6.18).
Conclusão
Jesus nos
ensina que a prática de orar, socorrer os necessitados e jejuar, embora, sejam
práticas cristãs, que em si mesmas são boas e recomendáveis, podem se
deteriorar e tornarem-se atos egoístas e de autopromoção. Para evitar que isso
aconteça, precisamos sempre avaliar nossa motivação. Faço tais coisas com o fim
de obter aprovação das pessoas ou aprovação de Deus? Oro, socorro os
necessitados e jejuo para servir a Deus ou para ser visto e elogiado pelos
homens? A nossa justiça exercida por meio de tais práticas devem ser realizadas
diante do Auditório de Um Só.
Portanto, devo fazer tudo com discrição e humildade, sabendo que o Pai celeste sabe e tudo vê e me recompensará conforme a sua vontade.
Aplicação
Aplicação
Agora que
você sabe que deve exercer sua justiça por meio da oração, do socorro aos necessitados
e do jejum com o fim principal, de servir a Deus e não para ser visto pelos
homens, faça tudo isso sempre avaliando sua motivação. Sabendo que tais
práticas são recomendadas e que Jesus espera que as pratiquemos, envolva-se com
elas. Ore por suas necessidades e pelas necessidades de seus irmãos e igreja.
Verifique se há alguém em sua igreja carecendo de ajuda e discretamente o
socorre. Jejue em momentos de aflição, a favor de sua igreja, de sua família e
irmãos, sempre com discrição.
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