Introdução
O Senhor Jesus, depois de haver
apresentado a seus ouvintes sobre o caráter do cristão (Mt 5.1-13) e sobre a
influência que ele tem que exercer no mundo manifestando esse caráter por meio
de boas obras (Mt 5.14-16), em seguida, passa a definir melhor esse caráter e
estas boas obras. Para Jesus o caráter do cristão e as obras resultantes desse
caráter, devem estar em harmonia com a santa lei de Deus.
Jesus mesmo cumpriu ativa e passivamente
toda a lei de Deus e aponta-nos o dever de cumpri-la em todos os seus aspectos
mais profundos.
I. Muito além
das Regras – (Mt 5.17-20)
Jesus inicia esta seção, dizendo que não
veio para revogar a lei ou os profetas.
A lei e profetas correspondiam a todo
o conteúdo do Antigo Testamento. Jesus estava dizendo que seus ensinamentos
estavam em harmonia com o conteúdo de todo o Antigo Testamento. Possivelmente
os oponentes de Jesus já começavam a dizer, que ele se opunha ao Antigo
Testamento, ensinando uma nova doutrina. Talvez a controvérsia acerca do sábado,
já tivesse explodido (Mc 2.23—3.6). A autoridade que Jesus demonstrava ter com
seus ensinos perturbava os escribas e fariseus, que eram considerados os
guardiões da lei. Jesus estava prestes a denuncia-los como hipócritas (Mt 5.20;
6.1, 2, 5, 16) e de antemão, já declara que o que estava para ensinar não tinha
como intuito revogar a lei e ou profetas.
A.
Jesus e a lei
Nos versos 17 e 18, Jesus estabelece o
seu relacionamento com o conteúdo geral do Antigo Testamento. Ele declara que
não veio revogar a lei ou os profetas, mas cumprir. O que diz nessa sentença
não só serve para combater aqueles que como os escribas e fariseus são
estritamente legalistas, não observando o real sentido da lei, mas também
aqueles, que são antinomianistas, ou seja, contrários a qualquer lei e que
negam a validade e importância do Antigo Testamento.
Como que Jesus cumpriu a lei e os
profetas? Sua vinda, seu nascimento, ministério, vida e morte, foram anunciados
na lei de Moisés, bem como predita pelos profetas. A lei e os profetas
apontavam para Cristo. Fatos relacionados à vida de Jesus se cumpriram
exatamente como o Antigo Testamento havia anunciado (Mt 1.22-23; 2.5-6, 17, 18,
23; 4.12-17). As cerimônias e os
sacrifícios que eram realizados no templo apontavam para Cristo e se cumpriram
nele. O autor de Hebreus procura demonstrar ser Jesus o cumprimento de todo
cerimonialismo do Antigo Testamento. Jesus se sujeitou a penalidade da lei
(obedecendo-a passivamente), a fim de cumprir a pena em nosso lugar,
garantindo-nos o perdão.
Jesus também cumpriu ativamente toda a
lei de Deus (Jo 15.10; Gl 4.4). Jesus obedeceu inteiramente e de forma perfeita
todos os preceitos da lei de Deus. De fato, a vida eterna, só poderia ser
merecida por alguém, se obedecesse perfeitamente a lei de Deus. Visto que, por
causa do pecado isto se tornou impossível, para um pecador por seus próprios
méritos alguém alcançar a vida eterna, Jesus a mereceu por em seu lugar. Como
homem ele tornou possível a vida eterna para
nós e em nosso lugar, sujeitando-se a todos os preceitos da lei de Deus (Lc 18.18-30;
Gl 4.4-7).
Jesus declara que nenhuma parte da lei deixará
de se cumprir. Enquanto ele falava, algumas partes já tinham se cumprido, como
por exemplo, a sua encarnação. Outras estavam se cumprindo e ainda outras
teriam um cumprimento mais adiante, como sua crucificação e ressurreição. Jesus
declara que cada parte fosse a menor das letras do alfabeto grego (i) ou o
menor sinal colocado em algumas letras hebraicas para distingui-las de outras
(til), tudo irá se cumprir. Este cumprimento não se completará até que a terra
e céu passem.
B.
Os discípulos de Jesus e a lei
Agora, nos versos 19 e 20, Jesus demonstra
que seus discípulos devem obedecer a lei de Deus. Aliás, a grandeza no reino de
Deus (v. 19), bem como a entrada nesse Reino (v. 20) será medida pela
conformidade a lei. Os discípulos, não devem apenas obedecer, mas ensinar
outros a obedecer a lei de Deus. É claro que Jesus tem em vista aqui, a lei moral de Deus resumida nos Dez Mandamentos, visto que, os aspectos
cerimoniais se cumpriram nele. Nenhum
mandamento deve ser desprezado, nem mesmo o menor ou mais leve, todos devem ser
observados e ensinados (v. 19). Relaxá-los ou diminui-los em sua autoridade é
uma ofensa a Deus. Aqueles que o fazem serão considerados mínimos e não
entrarão no reino dos céus.
Jesus não está ensinando que a salvação
é alcançada por meio da prática da lei. A salvação é obra da obediência passiva
e ativa de Cristo e não é alcançada por mérito pessoal. Jesus ensina que apesar
disso, devemos obedecer a lei em sua totalidade como cidadãos do céu. Na obediência
a lei, o pecador, evidencia a salvação que recebeu e o amor que devota a seu
Senhor (Jo 14.21; Ef 2.10).
Jesus vai mais além e ensina que a
prática da lei e a justiça decorrente disso, deveria exceder em grau muito
maior a dos escribas e fariseus (v. 20). Os escribas e fariseus eram rigorosos
na guarda da lei. Pois então, como superá-los? Os escribas e fariseu embora guardassem
a lei, o faziam apenas formal e externamente. Havia da parte deles apenas uma
conformidade externa e rígida à letra da lei e que não satisfazia o coração e a
mente (Mt 23.25; Lc 16.15). Tal prática da lei era enganosa e egoísta. A
prática da lei proposta por Jesus a seus discípulos é de natureza mais profunda
e íntima, é uma justiça do coração (Lc 16.15), fruto de uma transformação
interior e espiritual, conforme prometida pelos profetas (Jr 31.33; Ez 36.27).
Por isso, tal justiça é superior, pois vem do alto.
II.
Muito além do homicídio (Mt 5.21-26)
No verso 20,
Jesus já havia indicado que seu entendimento acerca da lei contrariava e se
opunha a interpretação dos escribas e fariseus. Agora, Jesus começa a
demonstrar isso e apresenta a forma correta de se interpretar e praticar a lei
de Deus. Jesus começa citando o sexto mandamento: “Não matarás” ou “não
assassinarás”. Começa com a mesma expressão que se repetirá quando fala sobre
os outros mandamentos: “Ouvistes que foi dito aos antigos”. Em seguida para
contrapor e apresentar seu ensino diz e repete em referência a cada um dos
mandamentos: “Eu, porém, vos digo”. Jesus cita o sexto mandamento exatamente da
forma como Moisés o apresentou ao povo (Ex 20.13).
Certamente Jesus não se contrapõe ao
ensino de Moisés, mas ao uso e interpretação que os escribas e fariseus faziam
da lei. A estratégia de tais homens era acomodar a lei de Deus a seus próprios
interesses. Tornavam as exigências morais da lei mais manejáveis e menos
rigorosas. Algumas vezes restringiam os mandamentos. Outras vezes, ampliavam as
suas permissões. No caso do sexto mandamento, tais homens restringiram a sua
proibição apenas ao assassinato não contemplando outras exigências. Jesus
amplia as exigências desse mandamento, demonstrando que sua aplicação não se
restringia apenas ao assassinato, mas a várias outras práticas condenáveis. A
proibição incluía além do homicídio, palavras, pensamentos, ódio, dirigidos contra
o próximo. Para os escribas e fariseus o que importava era apenas o ato
exterior, mas para Jesus, não só o ato exterior é condenado, mas igualmente, a
má disposição do coração, que está por detrás disso. Está sujeito ao tribunal
de Deus, não só o homicida, mas, todo aquele que alimenta em seu coração ódio
para com o seu próximo, que pode ou não ser expresso em palavras e insultos (v.
22). Portanto, “todo aquele que odeia a seu irmão é assassino” (1Jo 3.15).
Nos versos 23 e 24 Jesus faz duas
aplicações positivas da regra de que o coração deve estar sempre cheio de amor
e não ódio. Uma tirada do contexto do culto a Deus (v.23) e outra tirada do
contexto de um tribunal (v. 24). No primeiro caso a desavença é com um irmão e
no segundo, o problema é gerado por causa de uma dívida com alguém. Em ambos os
casos, a lição de Jesus é uma só. Quando você tiver consciência de que seu
relacionamento com seu irmão ou qualquer outra pessoa, estiver estremecido, tome
providências imediatas para resolver qualquer pendência (Rm 12.18). Não devemos
permitir que uma desavença permaneça, nem que tão pouco se desenvolva.
III. Muito além
do adultério (Mt 5.27-32)
Quanto ao sétimo mandamento, os escribas
e fariseus limitavam-no somente ao adultério propriamente dito. Tal ensino não
se aplica somente a um homem casado, mas também às mulheres, e às pessoas
solteiras. Para Jesus o sétimo mandamento não inclui somente o adultério, mas
até mesmo o olhar impuro, malicioso, cobiçoso. Portanto, está em vista não somente
um ato pecaminoso exterior, mas os maus desejos do coração. Cobiçar com os
olhos, desejar maliciosamente alguém, configura-se na quebra do sétimo
mandamento, mesmo que isso ocorra – como é comum em nossos dias – num ambiente
virtual. Dentro do contexto do casamento, o relacionamento sexual é uma bênção.
Tudo o que passar disso, trata-se de uma transgressão do sétimo
mandamento.
Jesus ensina uma atitude radical, para
não se transgredir de forma alguma, o sétimo mandamento. É preciso eliminar
tudo quanto possa nos induzir a essa transgressão (cf. v. 28 e 29). Jesus não
está defendendo a automutilação como uma forma de se evitar a cobiça sexual,
mas a tomarmos uma atitude efetiva. Se o problema é a internet, corte-a; se é a
tv à cabo, cancele-a; se é uma
amizade, rompa-a; se é aquele livro ou filme, descarte-o. Fazendo isso estarás
agindo como alguém que almeja o céu preparando-se para a eternidade.
Jesus também qualifica como uma situação
de adultério, romper os laços matrimoniais por qualquer motivo que não seja no
caso de infidelidade (v. 32). Os intérpretes da lei, baseando-se numa instrução
dada por Moisés (Dt 24.1-4), interpretavam-na como se fosse possível em
qualquer situação, o marido desgostoso com sua esposa dar-lhe carta de
divórcio. Os intérpretes estavam dizendo algo que Moisés não havia dito. Moisés
de fato não havia proibido o divórcio, mas antes de fomentá-lo, a ele se opusera
fortemente. Conforme Deuteronômio 24.1-4, Moisés estava advertindo seu povo e
desencorajando-o sobre tal prática. Mas, os escribas e fariseus, baseando-se
numa exceção à regra, tornavam possível o divórcio em qualquer situação. Para
Jesus permanece o princípio original, ou seja, que marido e mulher são e devem
permanecer uma só carne (Gn 2.24-25).
IV. Muito além
do juramento (Mt 5.33-37)
Novamente aqui, o que havia sido dito
aos antigos não estava correto. A ênfase de Moisés está na veracidade e na
sinceridade de alguém ao fazer um voto (Lv 19.12; Nm 30.2; Dt 23.21). O nome de
Deus não podia ser tomado falsamente. Certamente as palavras ditas pelos tais
intérpretes, resumia bem o que fora dito por Moisés: “Não jurarás falso, mas
cumprirá rigorosamente para com o Senhor os teus juramentos” (v. 33). O
problema estava na saída proposta para se driblar tal exigência. Diziam então,
que se alguém fizesse um voto, não jurando pelo nome do Senhor, poderia não
cumprir tal voto, sem incorrer na quebra da lei. Ou seja, somente um voto
jurado ao Senhor deveria ser cumprido rigorosamente. Assim, na conversação diária,
os juramentos começaram a se multiplicar. Jurava-se, “pelo céu”, “pela terra”,
“por Jerusalém”, “pelo templo” ou “pelo altar” (Mt 23.16-19). Tais juramentos
eram pronunciados, com o fim de impressionar alguém e validar uma palavra. No
caso de um pronunciamento falso ou feito sem a intenção de cumpri-lo, se não
fosse jurado em o nome do Senhor, isso não seria tão ruim.
Jesus condena tal prática. Demonstra que
qualquer juramento, mesmo não se tomando o nome do Senhor, deve ser cumprido,
pois Deus está sendo invocado de qualquer maneira (v. 33-36). Jesus não condena
o juramento, mas o seu uso abusivo. O juramento feito em ocasiões solenes e de
gravidade é válido (Gn 14.22-24; 24.3, 9; 26.3, 31; Js 9.15; Sl 110.4; Lc 1.73;
Mt 26.63, 64). Acima de tudo, para Jesus nossa palavra deve estar comprometida
com a verdade e ser pronunciada com honestidade (v. 37).
V. Muito além da
vingança (Mt 5.38-42)
A lei de Moisés previa que para cada
crime cometido, uma penalidade proporcional deveria ser aplicada, pelo tribunal
(Ex 21.24, 25; Lv 24.20; Dt 19.21). Na aplicação de tais leis a vingança era
desencorajada. Ninguém tinha o direito de se vingar contra seu próximo (Lv
19.18).
Os intérpretes, com o fim de justificar
a retribuição e a vingança pessoal, citavam a lei de Moisés e ao fazê-lo
pervertiam o próprio propósito dela. Jesus se contrapõe àqueles que viam em tal
lei base para a vingança pessoal. Demonstra que todo mal recebido deve ser
respondido com o bem (Compare com Rm 12.9-21). Nos exemplos apresentados, onde
é requerido do crente não resistir ao perverso, mas pelo contrário, se lhe
bater na face voltar a outra; se alguém lhe tirar a túnica, deixar a capa
também; se alguém lhe obrigar a andar uma milha, andar com ele duas; e se
alguém lhe pedir ajuda, ajuda-lo e lhe dar o que deseja, o Senhor Jesus condena
o espírito de desamor, de ódio e de vingança.
Para Jesus a lei do amor deve prevalecer (Mt 5.43-48).
VI. Muito além
do ódio (Mt 5.43-48)
“Amarás o teu próximo e odiarás o teu
inimigo”, deve ter sido uma forma popular no tempo de Jesus, de se resumir a
segunda tábua da lei. Tratava-se de uma conclusão falsa, a respeito de quem era
o “próximo” de alguém. Para um judeu, o próximo era um outro judeu. Portanto, para
os judeus do tempo de Jesus, o mandamento para se amar ao próximo, não se
aplicava ao inimigo, a final de contas, o inimigo para eles não era o seu
próximo. Em Lucas 10.25-37, na parábola do bom samaritano, Jesus responde a
pergunta feita pelo intérprete da lei: “Quem é o meu próximo?”. Jesus ensina
que qualquer pessoa deve ser tratada com respeito e consideração, e que devemos
ser o próximo do carente e necessitado. Tanto na passagem de Lucas, quanto no
Sermão do Monte, Jesus ensina que o próximo a quem devemos devotar amor é
qualquer pessoa, e pode ser até mesmo, o nosso inimigo.
Jesus evoca o exemplo do Pai celeste
para exemplificar seu ensino. O Pai celeste faz nascer o sol e vir à chuva,
beneficiando a todos indistintamente. Deus derrama da sua graça comum, sobre
bons e maus e sobre justos e injustos. Aqueles que querem ser reconhecidos como
seus filhos devem imita-lo, não apenas amando as pessoas amáveis e a seus
irmãos, mas a todos, inclusive amando a seus inimigos. O padrão que Deus exige
de seus filhos é seu próprio caráter perfeito (v. 48).
Conclusão
Jesus demonstrou a validade e
importância da lei de Deus do Antigo Testamento, cumprindo todos os seus
preceitos passiva e ativamente. Como decorrência disso, ensinou que o padrão do
caráter cristão e suas boas obras devem estar em harmonia com a prática da lei
de Deus.
No Sermão do Monte, Jesus demonstra que
a prática da lei de Deus, vai muito além de uma acomodação meramente externa e
superficial, como faziam os escribas e fariseus. O cidadão do Reino de Deus deve
praticar a lei de Deus de coração e mente como fruto de uma transformação
interior e espiritual, conforme prometida pelos profetas (Jr 31.33; Ez
36.27). Somente desta forma, a justiça
decorrente da prática da lei excederá a dos escribas e fariseus.
Aplicação
Conforme o ensino de Jesus, devemos nos
guardar do legalismo, mas também evitar o outro extremo que é o
antinomianismo. Pratique a lei de Deus
da forma como Jesus ensinou.