quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Prudente ou insensato? Mateus 7.24-27

Introdução
No Brasil cresce cada vez mais aqueles que se dizem cristãos evangélicos. Mais e mais, vemos profissões de fé se realizarem, supostas conversões ocorrerem, até mesmo dentre artistas e pessoas públicas. No entanto, apesar do crescente número de pessoas se dizerem crentes nos Senhor Jesus, notamos que pouca coisa tem mudado em nossa sociedade.
Tal situação deve nos conduzir a reflexão. Basta professar a fé em Cristo Jesus? Ser um frequentador de culto evangélico, ouvir de Cristo e de sua palavra, resolve, faz alguma diferença? O que está faltando?
Jesus ao final de seu sermão do Monte adverti seus ouvintes acerca de uma fé nominal. Para Jesus não basta apenas professar a fé nele, ouvir de suas palavras. É preciso, acima de tudo, que seus ouvintes sejam praticantes de sua palavra para que tenham sucesso na vida cristã. O cristão genuíno tem sua vida edifica sobre a prática da palavra de Deus. Enquanto que o cristão nominal, ignora isso e consequentemente arruinará sua vida.

I. Uma parábola sobre construtores
O Senhor Jesus por diversas vezes, ao apresentar seus ensinamentos fez uso de parábolas. Algumas vezes falava por meio de parábolas, com o fim de manter escondidas, as verdades que em particular pretendia transmitir apenas a seus discípulos (Mt 13.10-16). Outras vezes a parábola era direcionada a todos os seus ouvintes, com o fim de elucidar e tornar prático seus ensinamentos, como foi o caso desta parábola dos construtores. As parábolas são ilustrações tiradas de situações dos cotidianos dos ouvintes. Assim, enquanto falava sobre os dois construtores, por exemplo, seus ouvintes podiam ver perto de onde estavam, alguém edificando uma casa.
Ao final de seu Sermão do Monte, Jesus compara seus ouvintes a dois tipos de construtores. Não há um terceiro tipo ou um tipo intermediário de construtores. Assim, não há um terceiro tipo de ouvintes. Seus ouvintes ou são prudentes ou insensatos. Ou são ouvintes que praticam suas palavras ou ouvintes negligentes que ouvem e não praticam suas palavras. Jesus está sempre dividindo seus ouvintes em duas classes. Neste sermão ele fez isto algumas vezes. Por exemplo, em 7.13, 14, ele fala das duas portas, a estreita e a larga. Há os que entram por uma e os que entram por outra. Em 7.17 e 18, fala da árvore boa que dá bom fruto e da árvore má que dá fruto ruim. Assim ocorre em outras passagens (Mt 10.39; 13.12-16, 19-23, 24-30, 36-43, 47-50).
Jesus conclui seu sermão com esta parábola demonstrando a importância e gravidade de seus ensinamentos. Ele não está brincando. Seus ouvintes precisavam saber da gravidade do que ensinava. Se colocassem em prática seus ensinamentos seriam bem-sucedidos. Caso contrário sofreriam as consequências de negligenciar seus ensinamentos. Primariamente estas palavras se aplicam ao Sermão do Monte, mas, não somente a ele. De maneira ampla se aplicam a toda Palavra de Deus contida nas Escrituras. Desta forma, nenhum ensinamento bíblico pode ser negligenciado.
Para Jesus viver é como construir ou edificar casas. Aquilo que fazemos, falamos, pensamos, planejamos, executamos e cada obra que realizamos é, por assim dizer, um tijolo que assentamos em nossa construção. Cada um deve considerar a forma como edifica sua vida, pois, o sucesso na vida cristã dependerá da forma como ela é edificada. Tudo o que fazemos, de duas uma, ou encontra-se de conformidade ou em oposição ao ensino de Cristo. Percebemos então, que somos responsáveis pelas nossas ações, sendo que cada uma delas, será provada.

II. Semelhanças entre os dois construtores
Embora fique demonstrado que os dois construtores difiram de forma fundamental na escolha do solo sobre o qual alicerçam suas casas, no entanto, há algumas semelhanças entre eles.

A. Semelhança no tipo de casa que constroem
Na época de Jesus as casas construídas eram bastante frágeis, devido ao tipo de material utilizado. Eram casas cujas paredes eram facilmente atravessadas por ladrões (6.19). O teto, geralmente feito de barro e palha, podia facilmente ser aberto. Os quatro amigos do paralítico abriram um buraco no teto da casa onde Jesus estava, para que tal homem tivesse a chance de ser curado (Mc 2.4). Portanto, no caso dos dois construtores, suas casas eram semelhantes na maneira como foram construídas. A técnica para a construção foi a mesma, bem como o material utilizado. Jesus não destaca a diferença entre o tipo de material ou arquitetura. Não são nestas coisas que os dois construtores se diferenciam, sendo um chamado de prudente e outro de insensato.

B. Semelhança quanto ao local escolhido para a construção
Nesta questão também não há diferenças entre eles, pois, ambos constroem próximo ao leito seco de um rio. Enquanto a estação das chuvas não vem, ambas as casas permanecem sem sofrer risco algum. As coisas mudam quando vêm às chuvas, quando então, aquele leito de rio seco, se transforma em um rio com fortes correntezas. Só então, a diferença entre os dois construtores é colocada em relevo.

C. Semelhança quanto às circunstâncias enfrentadas
Ambas as construções estarão sujeitas as mesmas circunstâncias climáticas. Na Palestina as tempestades não são frequentes, no entanto elas podem vir repentinamente e transformar drasticamente as paisagens. Ambas as casas sofrerão com as tempestades. Os ventos baterão com força contra suas paredes. A chuva fará com que os rios transbordem e coloquem em perigo ambas as casas. Não há diferença entre esses dois construtores, quanto às circunstâncias que haverão de enfrentar, pois, segundo o texto, as construções de ambos, sofrerão os embates das tempestades.
As tempestades são figuras das provas que todos nós enfrentamos em nosso viver. As provas podem chegar de várias formas tais como tribulação (exemplo de Jó; Sl 46); tentação (Gn 39.7-18; Mt 26.69-75); luto na família (Jó 1.18-22; Lc 7.11-17; Jo 11.1-46); morte que se aproxima (At 7.59, 60), como também, conforme o contexto de nossa passagem, o dia do juízo (Mt 7.22). São diversas as circunstâncias que servem para nos provar. Para que serve, ou que diferença faz uma fé que ainda não foi provada? Em outras palavras, é diante das provações que o valor de nossa fé é testada e aprovada (Gn 22.1-19; Rm 5.1-5; Tg 1.2-4). É na provação que a diferença entre os ouvintes de Jesus é realçada. As provações veem sobre todos, se ouvintes prudentes ou insensatos. Mas é diante delas que se conhece o ouvinte prudente e o insensato.

III. A diferença entre os dois construtores
Jesus demonstra que a diferença entre os dois construtores está na forma como lançam os alicerces de suas casas. O construtor prudente lança o alicerce de sua casa sobre a rocha, enquanto que o construtor insensato lança o alicerce de sua casa sobre a areia.

A. O construtor prudente
O construtor prudente sabe que no futuro, aquele leito de rio seco, poderá com a chegada de uma tempestade, se transformar num rio com fortes correntezas. Por isso é prudente lançando o alicerce de sua casa sobre um local que ofereça segurança. Conforme o registro de Lucas, o construtor prudente “abriu profunda vala e lançou o alicerce sobre a rocha”. Como resultado de sua prudência, em vindo a forte tempestade a sua casa permanece em pé.
Alicerçar a casa sobre a rocha significa, conforme diz Jesus, ouvir e praticar a sua palavra. Notem que não existe diferença entre os ouvintes de Jesus, até que cheguem as tempestades e as provas da vida. Não há como distinguir entre o cristão professo genuíno do que cristão professo falso, pois, frequentemente se parecem. O joio se parece com o trigo, até que chegue a colheita.  A árvore boa é distinguida da ruim, quando chega a época de dar frutos. Distinguir um cristão de um não-cristão é mais fácil, mas distinguir, um cristão verdadeiro do falso isto é mais complicado. Mas, chegando as provas da vida, fica evidente quem construiu sua casa sobre a rocha. As tempestades colocam em descoberto os alicerces. Quem ouve e pratica as palavras de Jesus, em chegando as lutas e tribulações, sua vida permanece inabalada, firme e segura.
As palavras que procedem da boca de Jesus (ou seja, as Escrituras em sua totalidade) quando praticadas, se constituem em um firme alicerce sobre o qual podemos edificar nossa vida. O sucesso na vida cristã depende disso. É claro que com isso, Jesus não está dizendo que o sucesso na vida cristã dependa de nosso esforço. Definitivamente não. O sucesso depende de se praticar a palavra que é de Cristo. A capacidade para se ter sucesso na vida Cristã tem seu fundamento no próprio Jesus. Ele é a Rocha e sua palavra também é rocha para nossa vida (1Pe 2.1-4).
Nas dificuldades e desafios que enfrentamos na vida cristã, seja no âmbito familiar, da igreja ou em qualquer outra área, a palavra de Cristo se praticada, nos dará sustentação. Jesus não disse que os ouvintes praticantes de sua palavra não teriam problemas, mas disse que tais ouvintes permaneceriam firmes.
Josué recebeu a incumbência de conduzir o povo de Israel à terra prometida. O Senhor disse que ele seria bem-sucedido em sua tarefa, se não se desviasse nem pela direita e nem pela esquerda, mas se fizesse tudo o que a lei de Deus ordenava. Ele deveria falar, meditar dia e noite e fazer tudo o que estava ordenado na lei de Deus (Js 1.1-9).
No Salmo 1 o homem bem-aventurado é bem-sucedido, pois é governado pela palavra de Deus. Sua vida não é dirigida pelos padrões mundanos, antes é orientado pelos padrões divinos.
Nos Salmos 127 e 128, o sucesso na vida familiar é determinado, não pelas posses, realização profissional ou ausência de dificuldades, mas pela confiança e pelo temor de Deus. Isto implica em ouvir e praticar toda palavra de Cristo Jesus.
Timóteo seria bem-sucedido em seu ministério pastoral, se permanece nos ensinamentos bíblicos que havia aprendido desde a infância. Em outras palavras, se em cada aspecto de sua vida praticasse a palavra de Cristo, seria abençoado (2Tm 3.14-17).
Aqueles que edificam sua vida sobre a rocha, não só são bem-sucedidos durante toda vida nas provações, mas ainda e definitivamente na última prova, a do juízo final (cf. Mt 7.22 e 23 “naquele dia”). “Naquele dia” aqueles que praticam a palavra de Cristo, receberão o convite: “Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo” (Mt 25.34).

B. O construtor insensato
O construtor insensato diferente do prudente, não pensa no futuro. Embora construa sua casa como o outro, utilizando-se dos mesmos materiais, e construindo sua casa perto do curso de um rio seco, não toma providências para que sua casa permaneça segura, livre de desmoronamento. Diferente do construtor prudente, o insensato, constrói sua casa sobre a areia. Não tem o cuidado de cavar até encontrar um solo rochoso, para edificar sua casa. Enquanto o dia permanece calmo e o tempo estável, sua casa permanece segura. Mas, vindo repentinamente as tempestades, transformando-se o curso seco do rio em forte correnteza, batendo-se os ventos e a chuva, bem como as águas contra sua casa, ela vem a ruir-se, pois fora edificada sobre a areia. A este construtor é comparado àquele que ouve as palavras de Cristo e não as pratica.
Jesus demonstra que não basta ouvir sua palavra é preciso praticá-la. Diante das provações que virão – e elas chegam, tanto para o ouvinte prudente, como para o insensato – ouvir as palavras de Cristo e não praticá-las é loucura, insensatez, falta de prudência. O nominalismo trata-se de um grande mal. Professar a fé em Cristo, pertencer nominalmente a uma igreja, mas, não comprometer-se com a prática da palavra de Deus, conduz a ruína espiritual.
Tiago em sua carta, fala sobre a importância da prática da palavra de Deus e exorta: “Tornai-vos, pois, praticantes da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos” (Tg 1.22). Aquele que ouve e não pratica a palavra é como alguém que olha no espelho, vê como está sua aparência, mas, logo se retira e nada faz esquecendo-se de como era (Tg 1.23).
É verdade que muitas vezes, até mesmo aqueles que professam uma fé verdadeira em Cristo, sofrem as consequências nesta vida por abandonarem a prática da palavra de Deus em algum momento. Na verdade, todas as vezes que fazemos isso, colhemos consequências dramáticas. A Bíblia tem vários exemplos disso, de servos que em algum momento por não praticarem a palavra de Deus, sofreram consequências.
Podemos citar o exemplo de Jacó (Gn 37—50). Ele ignorou os preceitos de Deus no que se refere à administração de sua grande família. Como consequência, vários problemas familiares ocorreram.
Davi também, em dado momento de sua vida, fez o que era mal perante os olhos do Senhor (2Sm 11—18). Adulterou com Bate-seba, planejou a morte de seu marido Urias e até antes de ser confrontado pelo profeta Natã, agia como se nada tivesse acontecido. Em consequência de não ter praticado a palavra de Deus, colheu sérias consequências em sua vida e família. Deus o perdoou, mas disse que em razão de seu pecado e desobediência, sofrimentos viriam. O filho gerado com Bate-seba morreu. Seu filho Amnom comete incesto com sua irmã Tamar. Absalão, outro filho de Davi, vinga sua irmã, matando Amnon. Tempos depois, Absalão volta-se contra Davi, usurpa seu trono e deita-se a vista de todos com as concubinas de Davi. Depois Abasalão é morto pelo exército de Davi.
O insucesso e a ruína não são apenas consequências colhidas durante esta vida por aqueles que não praticam as palavras de Cristo. Cristãos nominais colherão na última prova a do juízo final, a maior e definitiva ruína. Jesus dirá aos cristãos nominais “naquele dia”: “Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade” (Mt 7.22, 23). Assim, como uma tempestade pode vir repentinamente e pegar desprevenido um construtor insensato assim virá o dia do juízo. Como ocorreu no dia do dilúvio, diz Jesus, assim será na sua vinda. Antes do dilúvio, as pessoas viviam suas vidas normalmente, sem ter sua rotina alterada, ou seja, comiam, bebiam e se casavam. Mas, não perceberam quando Noé entrou na arca, senão quando o dilúvio chegou e os destruiu a todos (Mt 24.36-39). “Por isso, ficai também vós apercebidos; porque, à hora em que não cuidais, o Filho do homem virá” (Mt 24.44).

Conclusão
O Senhor Jesus adverti-nos do perigo de um cristianismo nominal e aponta-nos o caminho da felicidade e sucesso espiritual. Aquele que ouve e não pratica a sua palavra, mais dias ou menos dias, sofrerá as consequências de sua insensatez. Está edificando sua casa (vida) sobre a areia. Vera ruir sua vida e colherá sérias consequências no último dia. Ao contrário, aquele que ouve e pratica a palavra de Cristo, será alguém bem-sucedido espiritualmente nesta vida, e no futuro colherá a vida eterna. Este está edificando sua casa (vida) sobre a rocha.
No Brasil fará alguma diferença o crescente número de evangélicos, quando estes, tornarem-se sua maioria, praticantes da palavra de Cristo. Deixaremos de ter um cristianismo nominal e teremos um cristianismo genuíno.

Aplicação
Faça um inventário de sua vida para verificar se tudo quanto você tem ouvido da palavra de Cristo, você tem praticado. Tenha o hábito de fazer anotações dos sermões que você ouve em sua igreja, e de aplica-los a sua vida e de sua família. Durante a semana reúna-se com seus familiares e discuta o sermão dominical e verifique de que maneira, seus ensinamentos devem ser praticados.



Pai nosso - Mateus 6.9-15

Introdução
A oração do “Pai Nosso”, com certeza trata-se da oração mais conhecida em todo mundo. Não só cristãos, de todas as confissões, mas também, não-cristãos conhecem esta oração. Embora bem conhecida, no entanto, isto não significa que seu conteúdo e significado sejam igualmente conhecidos de todo o mundo. Tal ignorância tem feito com que muitos utilizem esta oração, de forma equivocada, diferentemente do propósito para o qual ela foi dada.
Nesta oração Jesus está apresentando um modelo para as nossas orações. Neste modelo aprendemos como orar e pelo que devemos orar. Qual o conteúdo e significado desse modelo? Sobre isto agora iremos estudar.


I. Um modelo para seguir
A oração do “Pai Nosso” tem a sua importância devido ao fato de ter sido a única oração ensinada pelo Senhor Jesus. Ela só aparece em Mateus 6.9-15, ensinada no contexto do Sermão do Monte (Mt 5—7) e em Lucas 11.1-4, em resposta a um pedido feito pelos discípulos: “Senhor, ensina-nos a orar” (Lc 11.1).
No Sermão do Monte, esta oração é ensinada no contexto em que Jesus faz várias recomendações a seus discípulos, no intuito de livrá-los da hipocrisia religiosa (lição anterior). Desta forma, depois de ensinar seus discípulos sobre a postura correta na oração, Jesus apresenta um modelo de oração a ser usado.
Certamente tal oração foi dada como um modelo. Jesus a introduz desta forma: “Portanto, vós orareis assim”. Literalmente, segundo o original: “Assim (ou: deste modo), pois, vocês devem orar”. Nela Jesus sumariza todos os elementos e princípios que devem conter as nossas orações. Portanto, temos um padrão para as nossas orações. Cada oração que fazemos deve expressar as mesmas verdades e princípios ensinados por Jesus na oração do “Pai Nosso”. Sendo um modelo, esta oração não deve ser repetida mecanicamente, como sendo uma reza, achando-se que a simples repetição, possa trazer algum benefício. O seu uso demasiadamente frequente pode conduzir ao formalismo, o qual Jesus condenou. Isto não quer dizer que ela não possa ser repetida, seguindo-se exatamente as mesmas palavras. Seu uso é adequado no culto ou em privado, quando o adorador ou suplicante a faz com a mente e coração, compreendendo suas implicações e significados.
O “Pai Nosso”, é divido em três partes: 1) Invocação; 2) Petições (seis ao todo, sendo três referentes a Deus e três referentes às nossas necessidades) e 3) Conclusão.
O “Pai Nosso” harmoniza-se com o ensino do Antigo e Novo Testamentos, de que a glória de Deus é importante acima de todas as demais coisas. Isto fica demonstrado pelo fato de que, as primeiras três petições têm referência ao nome, ao reino e a vontade do Pai. Somente em seguida e por último vêm às petições referentes às necessidades humanas (pão, perdão e vitória sobre o mal), que assumem o segundo plano. A prioridade deve ser dada aos interesses de Deus e somente depois, às nossas próprias necessidades. Jesus ensina um princípio não só para ser observado em nossas orações, mas acima de tudo, um princípio que deve controlar toda a nossa vida. Mais adiante, neste mesmo sermão tal princípio é reafirmado: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas [comida, bebida e vestimenta] vos serão acrescentadas” (Mt. 6.33).

II. De que maneira nos dirigimos a Deus?
“Pai nosso que está nos céus”. Estas palavras inicias são muito significativas. Há vários ensinamentos contidos nesta invocação, e que devem fazer parte de nosso entendimento sobre a oração e servir-nos de guia quando oramos.

A. O Pai ouve somente seus filhos
Primeiramente, está implícito aqui que nem todos têm o privilégio de se dirigir a Deus como Pai e serem ouvidos por ele. Este é um privilégio concedido somente àqueles que estão num relacionamento com Deus Pai, como seus filhos adotivos (Jo 1.12; Rm 8.14-17; Gl 4.6; 2Co 6.18; 1Jo 3.1, 2). Há um sentido em que Deus é designado como “Pai de todos os homens”, quando considerado como Criador e Mantenedor de todos (Sl 36.6; Ml 2.10; At 17.24-28). No entanto, o sentido usual nas Escrituras é que Deus é Pai somente de alguns e não de todos. Nem todos podem se dirigir a Deus chamando-o de Pai, pois nem todos são seus filhos. Aliás, Jesus disse que muitos daqueles que o ouviam eram na verdade filhos do diabo (Jo 8.44). Só é considerado filho de Deus aquele que recebe a Cristo Jesus, ou seja, aquele que crê em seu nome (Jo 1.12-13). Portanto, tal filiação a Deus só é alcançada por meio da obra redentora de Cristo Jesus. É no sentido relativo à salvação que o termo “Pai” é utilizado no Sermão do Monte (Mt 5.9, 16, 44, 45; 6.18). Somente pela mediação de Cristo Jesus, alguém pode ser considerado filho de Deus. Sendo assim, embora nesta oração, Jesus não seja mencionado, seu nome e sua obra expiatória estão claramente implícitos nesta invocação. À parte de Cristo ninguém pode se achegar ao Pai (Jo 14.6).

B. Um Pai Amoroso
Jesus em sua oração-modelo ensina seus discípulos a chamarem Deus de Pai. Ele utiliza a expressão Abba, que significa “papai” ou “paizinho”. Embora os israelitas considerassem Deus como seu Pai (Jo 8.39-44) e no Antigo Testamento o conceito de Deus como Pai de Israel estivesse presente (Dt 7.6-8; 14.2; Is 63, 15, 16; 64.8), no entanto, este não era o modo como eles oravam a Deus. Jesus ensina algo complemente diferente dos padrões existentes na época. O Senhor ensina seus discípulos a se dirigirem a Deus como filhos.  Podemos nos aproximar de Deus chamando-o de Pai, Papai. Como Pai amoroso, bondoso, Deus está pronto a receber seus filhos em sua presença nos céus, para ouvir seus louvores e petições. Deus é um Pai que se coloca ao nosso lado, cuidando de nós e por isso podemos invoca-lo. Por meio de Cristo ele nos fez seus filhos e nos colocou em sua família. Nos dirigimos a Deus em termos pessoais, com a intimidade própria existente entre um pai e seus filhos (Sl 103.13).

C. Um Pai soberano e altíssimo
Este Pai, que está perto de nós, é um Deus soberano, excelso, sublime, altíssimo, que habita nos céus. Jesus combina a imanência e transcendência, condescendência e majestade. “Pai nosso” indica proximidade. “Que estás nos céus”, indica que nossa aproximação dele deve ser feita com humildade e reverência. A intimidade não pode se deteriorar a ponto de nosso relacionamento se tornar vulgar, desrespeitoso. Às vezes, isto ocorre em algumas orações que são proferidas usando-se termos jocosos para com Deus. Tal uso certamente não é autorizado conforme o ensino de Jesus.
Nesta invocação, o suplicante também é lembrado de sua verdadeira condição, ou seja, de que é peregrino na terra, e que seu verdadeiro lar está nos céus, onde habita seu Pai (Jo 14.1-4; 17.14-16). Pertencemos a Deus, somos seus filhos, e somos cidadãos dos céus (Fp 3.17-21). Por vezes, nos esquecemos disso e vivemos como se pertencêssemos a este mundo. Neste caso, nossas prioridades se tornam terrenas, quando deveriam ser celestiais. Por esta razão, Jesus nos ensina, sobre o que pedir demonstrando quais devem ser nossas verdadeiras prioridades.

III. Deus vem primeiro
Os primeiros três pedidos expressam a nossa preocupação com a glória de Deus, em relação ao seu nome, ao seu governo e à sua vontade. Primeiro vem a glória de Deus e depois, nossas necessidades.

A. Glória seja dada a Deus
O que significa “santificado seja o teu nome”? O nome de Deus na Bíblia significa a sua própria pessoa, quem ele é. Ele expressa a sua própria natureza e a sua posição. O nome de Deus é o próprio Deus conforme revelado em todas as suas obras. Seu nome revela quem Deus é em suas virtudes e atributos. No Antigo Testamento Deus se revelou utilizando-se de diversos nomes, conforme cada contexto: “Senhor dos Exércitos” (Sl 46.7, 11); “Senhor Justiça Nossa” (Jr 23.6); “O Senhor Proverá” (Gn 22.13, 14); “O Senhor É Minha Bandeira” (Ex 17.15); “O Senhor Que Sara”(Ex 15.26); “O Senhor É Paz” (Jz 6.24); “O Senhor Está Ali [presente]” (Ez 48.35); “O Senhor Que Vos Santifica” (Ex 31.13).
Deus é santo em si mesmo. Nada que fizermos ou pedirmos poderá acrescentar mais santidade a sua pessoa. No entanto, santificar o nome de Deus significa reverenciá-lo, honrá-lo, glorificá-lo e exaltá-lo. Neste pedido expressamos nosso desejo de que outras pessoas conheçam e honrem a Deus com suas vidas. Isto ocorre, todas as vezes que pecadores se rendem a seus pés e o reconhecem como Deus e Senhor.

B. Que o domínio de Deus se estabeleça sobre todos
Jesus ensina também a orar pela vinda do Reino de Deus. Deus é rei. Seu reino é real neste mundo, no entanto, Jesus acrescentou um novo significado com a sua vinda. O Reino de Deus é o domínio de Cristo nos corações. O Reino de Deus deve ser visto em estreita relação com a salvação e suas bênçãos, manifestadas através da obra de Cristo Jesus. Pertencer ao Reino de Deus significa viver em submissão ao governo divino, sob o senhorio de Cristo. Portanto, quando oramos “Venha o teu Reino”, pedimos que ele cresça à medida que as pessoas se submetam a Jesus através do testemunho da igreja, e que logo esse Reino alcance a sua plenitude e consumação com a vinda de Cristo Jesus em glória para assumir o seu poder e o seu reino.

C. Que seus preceitos sejam obedecidos
Na Bíblia, vontade de Deus, pode ter pelo menos dois significados. Primeiro, o termo “vontade” pode significar “decreto de Deus”. Ou seja, os planos eternos de Deus que são realizados sempre, tanto no céu como na terra. Nada foge ao propósito de Deus preestabelecido e predeterminado (Is 46.10). Segundo, o termo “vontade” (este é o significado na petição)  significa os preceitos de Deus para obediência do homem. Esses preceitos fazem parte da lei moral de Deus, que se encontra revelada nas Escrituras. Os dez mandamentos resumem toda a lei moral de Deus. No céu os anjos são obedientes ao Senhor, cumprindo os seus preceitos de maneira santa e perfeita. Pedimos então, que a vida aqui na terra se aproxime o mais possível da vida no céu. Pedimos que todas as pessoas se submetam a vontade de Deus.
Estes princípios devem modelar não só nossas orações, mas acima de tudo, devem modelar todo o nosso viver. Não só devemos orar para que o nome de Deus seja santificado, seu reino venha e sua vontade seja feita, mas viver de tal forma, que tudo isso se cumpra através de nossa vida (1Co 6.20; 10.31). Tais pedidos chocam-se com os padrões deste mundo, tão egocêntrico e materialista. Fazer tais petições com integridade de coração implica num teste para verificar se nossa profissão de fé é verdadeira.


IV. Humilde dependência de Deus
Os três últimos pedidos bem como a conclusão da oração, expressam a nossa humilde dependência de Deus. Jesus ensina que depois de demonstrarmos preocupação com a glória de Deus, podemos pedir por nossas necessidades. Elas são importantes para o Pai, e por isso, também, devem fazer parte de nossas orações. Notem que os pronomes possessivos passam de “Teu” para “nosso”. Dizemos “nosso” e não “meu”. Portanto, nesta oração aprendemos a ser generosos, incluindo em nossas orações as necessidades de todos os nossos irmãos, pois, juntos constituímos uma só família (Ef 2.11-22; 3.14, 15).

A. O pão cotidiano
 No quarto pedido, “o pão nosso de cada dia dá-nos hoje”, Jesus nos ensina a moderação. Somos ensinados a pedir pelo pão de cada dia. Nossa dependência de Deus deve ser diária. A palavra “pão” é símbolo de todas as coisas necessárias para a preservação desta vida, como o alimento, as vestes, a saúde, nossa casa, lar, paz, um bom governo. Jesus ensina seus discípulos a buscar das mãos de Deus, tudo quanto é necessário para se viver neste mundo. Os discípulos devem pedir pão e não luxo, contentando-se com o necessário somente (1Tm 6.6-10). No deserto, os israelitas recebiam de Deus a porção do maná para cada dia e nesta mesma dependência devemos viver.
Este pedido, colocado desta maneira, choca-se com os anseios e esforços meramente terrenos. Pressionados por uma cultura materialista, consumista, hedonista, muitas vezes, nossas preocupações e esforços se voltam para o acúmulo de bens e riquezas. Como consequências de tal atitude, somos dominados pela ansiedade (Mt 6.25-33), abandonamos a dependência de Deus (Sl 127) e negligenciamos o verdadeiro tesouro (Mt 6.19-21). A oração do “Pai Nosso”, apresenta-nos um antídoto a esta situação, ensinando-nos a moderação e a dependência de um Pai solícito.

B. Perdoando e sendo perdoado
Depois das necessidades materiais, incluímos as espirituais: “e perdoa-nos as nossas dívidas”. Tão importante quanto o “pão cotidiano”, é  o perdão de nossos pecados. Neste pedido reconhecemos que não há em nós qualquer justiça própria, que nos faça sem culpa ou dívida para com Deus. Por meio de Cristo podemos ter o perdão de nossas dívidas. Neste pedido, o perdão de nossos pecados está condicionado a atitude que temos para com os nossos devedores. Conforme os versos 14 e 15, o Pai só perdoará aqueles, que semelhantemente perdoam seus ofensores. Isto significa que, nosso arrependimento sincero é confirmado por nossa atitude de perdoar aqueles que nos ofenderam (Mt 18.23-35).

C. A proteção de Deus
O último pedido é duplo, incluindo uma petição negativa “não nos deixe cair em tentação”, e outra positiva, “mas livra-nos do mal”. Neste pedido reconhecemos nossa fragilidade diante das investidas de nosso inimigo e pedimos a nosso Pai que nos livre daquele. Reconhecemos mais uma vez a nossa dependência do Senhor, de que não somos suficientes sozinhos. Portanto, em nossas tentações ou provações, necessitamos da graça de Deus, para que nos ajude e não permita que o nosso adversário tenha êxito.

D. Confiança e dependência reafirmadas
O “Pai Nosso” termina com uma conclusão, que expressa confiança e dependência. “Pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém”. Nesta conclusão, Jesus ensina a seus discípulos que a resposta a todos os pedidos feitos, não se baseia em seus méritos ou esforços, mas em um Deus que é Rei, Soberano, Poderoso e que faz tudo para a sua própria glória.  Nesta conclusão, louvamos a Deus, reconhecendo sua soberania, onipotência e glória.   Com base em tal convicção, o discípulo de Cristo descansa na certeza de que seus pedidos serão ouvidos e respondidos conforme a vontade de Deus, por isso, termina dizendo: Amém!


Conclusão
A oração do “Pai nosso”, trata-se de uma modelo para as nossas orações. Nela encontramos princípios que devem nortear toda a nossa vida. Neste modelo Jesus nos ensina a nos dirigir a um Deus que é soberano, excelso, mas que pode ser chamado de Pai e que ouve as nossas petições. Aprendemos com Jesus que nossas orações devem priorizar antes de mais nada, a glória de Deus. Em primeiro lugar vem o seu nome, seu reino e sua vontade. Em seguida, podemos apresentar os pedidos referentes às nossas necessidades, tanto materiais, como espirituais. Em tais pedidos devemos demonstrar sempre, moderação e humilde confiança em Deus. Pedimos sempre o que é necessário, não o supérfluo ou luxo. Pedimos para nós, como para todos os nossos irmãos. Por fim, Jesus nos ensina que nossas orações devem terminar da forma como começamos, ou seja, na confiança de que Deus como Pai ouvirá nossas orações e que sendo um Rei poderoso e soberano irá respondê-las conforme sua vontade.

Aplicação
Agora que você já sabe como orar e pelo que orar, examine se suas orações têm sido feitas conforme o modelo de Jesus. Faça isso, escrevendo num folha uma oração. Em seguida, verifique se tal oração está de acordo com o que estudamos nesta lição.





Repensando nossa motivação: Agindo para servir a Deus, não para ser visto pelos homens. Mateus 6.1-8, 16-18

Introdução
“A maioria de nós, quer estejamos ou não cônscios disso, fazemos as coisas com o olho na aprovação de algum auditório. A questão não é se temos um auditório, mas qual o auditório, qual o ouvinte, que temos.” Esta observação é feita por Os Guinness em seu livro O Chamado, editado pela Editora Cultura Cristã.
Os Guinness toca em um ponto muito importante e que raramente percebemos, ou seja, nossa preocupação  em fazer as coisas de tal maneira que tenhamos a aceitação das pessoas, ao invés de procurarmos agradar e servir Àquele que tudo sabe e tudo vê. O que irão pensar de mim? Terei aceitação das pessoas? Serei notado? Estas e outras perguntas passam a determinar nossas ações e comportamento, demonstrando que buscamos aceitação de um auditório que não deveria ter a prioridade. No final das contas tal atitude revela que nossa motivação para fazer as coisas é pecaminosa e egoísta. Isto demonstra que a todo o momento, a cada ação precisamos repensar nossa motivação.

I. Agindo para servir a Deus, não para ser visto pelos homens
As palavras de Jesus ditas em 6.1: “Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles”, parecem contradizer seu ensino em 5.16: “Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras”. A contradição é apenas aparente, pois em 5.16, Jesus está combatendo a nossa negligência e em 6.1, ele está combatendo outro pecado, o da ostentação e exibicionismo. Devemos mostrar quando somos tentados a esconder (5.16) e devemos esconder quando somos tentados a mostrar. Em ambos os casos o objetivo deve ser sempre o mesmo. Ou seja, devemos praticar boas para que sejam vistas pelos homens e Deus seja glorificado e devemos praticar nossos atos religiosos em secreto para que Deus da mesma maneira seja glorificado. Ao mostrar ou esconder devemos glorificar a Deus. Em cada caso somos tentados a buscar o nosso próprio interesse. Ao esconder nos esquivamos de nossa responsabilidade, talvez evitando algum constrangimento ou comprometimento pessoal. Ao mostrar buscamos egoisticamente aprovação dos homens. Portanto, para não corrermos o risco de nos tornarmos egoístas, façamos tudo diante do Auditório de Um Só, ou seja, diante do “Pai que está nos céus” (5.16; 6.1).
As três práticas religiosas através das quais os discípulos deveriam exercer a sua “justiça”, ou seja, dar esmolas, oração e jejum, eram comuns entre eles. Jesus parte do pressuposto de que seus discípulos se ocupariam de tais práticas e desta forma, passa a ensina-los como deveriam fazer. De que maneira então, os discípulos de Jesus devem exercer sua justiça e servir a Deus?

II. No socorro aos necessitados – Mt 6.2-4
A lei de Deus, transmitida por Moisés ensinava sobre o dever de socorrer aos necessitados (Ex 23.10, 11; Lv 19.10; Dt 15.7-11). Jesus havia demonstrado a pouco, sobre a benignidade de Deus para com todos, e ensinado sobre o dever de seus discípulos imitarem o Pai celeste (5.43-48). Portanto fazer o bem socorrendo aos necessitados trata-se sem dúvida nenhuma de um ato de amor e compaixão. Aliás, Jesus parte do pressuposto de que seus discípulos realizariam isso. Mas, para Jesus, realizar feitos de generosidade não bastava. O Senhor vai mais além. Ele está preocupado em que seus discípulos não só pratiquem boas obras, mas que tenham a motivação certa em tais realizações. Esta é uma preocupação que Jesus tem do início ao fim no seu Sermão do Monte.
Nos dias de Jesus havia uma preocupação com os necessitados. Os judeus faziam isso com frequência. Havia a prática de recolher donativos nas sinagogas e nas ruas, para ofertar aos pobres. Apesar de tais ofertas servirem para amenizar o sofrimento alheio, tratava-se apenas de um pretexto para que seus ofertantes se exibissem e tirassem proveito disso. Aqueles que ofertavam “tocavam trombeta” diante de todos. Jesus está aqui utilizando-se de uma linguagem simbólica, para se referir a atitude dos fariseus, que se esforçavam de todas as formas para que seus feitos fossem exibidos e eles recebessem honrarias humanas. Jesus condena tal prática e chama os que agem assim de hipócritas. “Hipócrita” é uma palavra que no grego clássico, hupokrités era primeiro, um orador e, então um ator. Figuradamente, a palavra passou a se aplicar a qualquer pessoa que trata o mundo como se fosse um palco, onde interpreta um papel, ou seja, deixa de lado sua verdadeira identidade e assume uma identidade falsa.  Eram hipócritas, pois fingiam dar quando na verdade queriam receber, ou seja, as honrarias humanas. Tais pessoas já receberam a sua recompensa, diz Jesus, ou seja, os elogios humanos que tanto desejavam, e só isso.
Jesus ensina seus discípulos a maneira correta de se socorrer aos necessitados (6.3). Ao se dar esmolas a mão esquerda não deve saber o que a direita faz. É claro que isso não é possível acontecer literalmente. O que certamente Jesus estava ensinando, é que ao socorrer alguém, a pessoa deve conservar sua contribuição voluntária em segredo, não somente em relação aos outros, mas também em relação a si mesmo. Tal pessoa deve ignorar sua contribuição e esquece-la. Jesus adverte-nos aqui, do perigo de um ato de misericórdia altruísta, se deteriorar e se transformar num ato egoísta, em que a motivação principal não seja o benefício da pessoa que recebe a ajuda, mas o nosso próprio.
No verso 4, Jesus declara que a atitude secreta de socorrer aos necessitados será recompensada por Deus. É ele mesmo que no dia do juízo, concederá a cada um a recompensa (Mt 25.34-36). É claro que os benefícios não são somente futuros. A alegria e uma boa consciência por ter beneficiado e socorrido alguém, já é um recompensa antecipada.

II. Na vida de oração – Mt 6.5-8; 7.7-12
 A. Uma oração sincera e humilde
A oração também era outra prática utilizada pelos fariseus hipócritas, como pretexto para a autopromoção. Um judeu devoto orava em média três vezes ao dia (Sl 55.17; Dn 6.10; At 3.1). Jesus não está aqui condenado a oração pública e ensinando que a única válida é aquela feita em privado. Também não havia nada de errado em se orar de pé nas sinagogas e nas praças. A oração pública é apropriada, tem o seu lugar, por exemplo, no culto público. Há exemplos bíblicos de orações públicas (2Cr 6.14-42; Ne 9; At 4.24-31) Mesmo quando se trata de uma oração individual e pessoal, não há nada de errado de ser feita em público.
Na parábola do fariseu e do publicano, não havia nada de errado com estes homens em proferir suas orações pessoais no templo de forma pública. Jesus não condenou o fariseu por isso, e sim, por fazer de sua oração um instrumento para sua autoglorificação e não para servir e glorificar a Deus (Lc 18.9-14).
A ênfase principal de Jesus não está no lugar da oração, e sim, na motivação do coração. Sua preocupação não está em que as orações sejam feitas em segredo, mas que tenham motivações sinceras. Jesus está condenando na prática da oração, a autopromoção. Por isso, instrui seus discípulos a buscarem no anonimato do quarto fechado, um lugar apropriado para suas devoções. Notem que não basta orar no quarto, mas deve-se fechar a porta. O adorador sincero e humilde, que não está interessado em se mostrar publicamente com o fim de se autopromover, encontrará no isolamento um lugar apropriado para suas devoções.
Novamente Jesus declara como havia feito em 6.2, que aqueles que fazem uso da oração, como das esmolas, para receberem elogios dos homens, já receberam sua recompensa, ou seja, os elogios dos homens. Mas, para aqueles que são adoradores sinceros e humildes, podem ter a certeza de que o Pai celeste os recompensará, pois está vendo-os no secreto e ouvindo suas orações. Terão consciência de que o Pai, em seu cuidado amoroso responderá suas orações, dando-lhes o que for melhor, conforme a sua soberana vontade. Certamente terão a mente e coração revestidos da paz que excede todo entendimento (Fp 4.7) e saberão que Deus poderá fazer mais do que estão pedindo (Ef 3.20, 21).

B. Deus não é um Pai desinformado
Para uma oração sincera não se deve somente evitar a publicidade, mas também o falatório desnecessário, como indica Jesus: “E, orando não useis de vãs repetições” (6.7). É possível que Jesus tivesse em vista os escribas, que para justificar a exploração das viúvas, faziam longas orações (Mc 12.40; Lc 20.47). Seja como for, Jesus condena essa prática como sendo pagã. É claro que isto não significa que uma oração extensa seja sempre errada. Há exemplos bíblicos de orações longas, mas que não incorreram em falatório repetitivo e vão (2Cr 6.14-42; Ne 9). O que se deve evitar é a prática pagã de ficar fazendo orações longas e repetitivas. Um exemplo disso é a oração dos sacerdotes de Baal (1Rs 18.25-29). Eles ficaram desde a manhã até o meio dia, clamando por seu deus, e como sabemos, não tiveram suas orações atendidas, visto que clamavam a um falso deus, feito por mãos humanas. Outro exemplo disso, seria a reza do terço católico, em que a pessoa repete algumas dezenas de ave-marias e pai-nossos.
Jesus demonstra por suas palavras que tal atitude é baseada no medo de não ser atendido e na falta de confiança. Deus, não é um Pai desinformado. Ele sabe das necessidades de seus filhos, antes mesmo que eles peçam (6.8). Ele não é como os falsos deuses. Ele é um Pai onisciente, onipresente e onipotente, capaz de conhecer e satisfazer as necessidades de seus filhos, antes mesmo que eles peçam. Portanto, nossas orações devem ser objetivas e concisas. A acessibilidade de nossas orações não depende do número de palavras ou da extensão delas.

C. Jesus encoraja à oração perseverante
Existe uma diferença entre ser repetitivo e ser insistente ou perseverante na oração. Jesus condena a as vãs repetições e o falatório desnecessário. No entanto, não desencoraja a prática da oração perseverante.
Em 7.7, Jesus utiliza três verbos demonstrando assim a necessidade que seus discípulos têm de perseverar na oração. Os verbos, pedir, buscar e bater, estão no imperativo e no tempo presente. Uma tradução possível seria: “continuem pedindo, continuem buscando, continuem batendo”. Desta forma, a combinação desses três verbos demonstra que na oração devemos ser insistentes, perseverantes. Para cada um dos mandamentos, quando obedecidos há uma promessa correspondente. Quem pede, recebe; quem busca encontra; e a quem bate abrir-se-lhe-á (7.8). Em outras palavras, Jesus ensina que seus discípulos terão sempre suas orações respondidas.
Jesus reforça seu argumento, de que a oração perseverante, feita com fé será respondida, utilizando-se de um argumento que parte do menor para o maior (7.9-11). Assim como um pai terreno, mesmo sendo mau, sabe dar coisas boas a seus filhos, quanto mais o Pai celeste dará coisas boas aos que lhe pedirem. Portanto, os discípulos de Cristo podem descansar seguros de que suas orações serão respondidas e que o Pai celeste, como um pai bondoso e cuidadoso, cuidará de suas necessidades, dando-lhes o que for melhor (Sl 81.10; 103.13-14; Mt 6.25-34; Jo 15.7; Hb 4.14-16).

III. Na prática do jejum – Mt 6.16-18
O jejum trata-se da abstinência voluntária de alimentos, a que se submete uma pessoa por um determinado tempo. Pode ser por um breve tempo ou por um tempo prolongado. Jesus por exemplo, jejuou por quarenta dias e quarenta noite antes de ser tentado pelo diabo (Mt 4.1-11).
Biblicamente falando, ele servia a diversos propósitos. O jejum podia ser uma expressão de humilhação e tristeza por causa do pecado acompanhado de confissão pelo pecado (Dn 9.3-6; Jn 3.5). A rainha Ester convocou seu povo para jejuar em favor dela, para que ela fosse bem-sucedida ao entrar na presença do rei e assim, pudesse salvar seu povo de ser exterminado (Et 4.16). Às vezes ocorria por causa do luto (1Sm 31.12). Neemias jejuou depois de saber as notícias tristes sobre a situação de seu povo em Jerusalém (Ne 1.4). A Igreja Primitiva jejuou preparando-se para o envio de Barnabé e Saulo como missionários (At 13.1-3). Em Atos 14.23, durante a escolha de presbíteros houve jejuns e oração. Não há dúvida que a prática do jejum existia no Antigo Testamento e continuou a fazer parte da vida da igreja no Novo Testamento. Portanto, o jejum deve ser considerado uma prática espiritual de devoção cristã.
Os fariseus da época de Jesus jejuavam duas vezes por semana, o que se tornou motivo de orgulho para eles (Lc 18.12). Os discípulos de João Batista jejuavam com frequência, mas os discípulos de Jesus não jejuavam. Jesus disse que seus discípulos não tinham motivo para jejuar, visto que, não havia razão para tristeza, pois eles tinham a sua companhia. Porém, Jesus diz que quando não tivessem mais a sua companhia, ai então haveria motivo para jejuarem (Mt 9.14-15; Lc 5.33-35). Certamente, Jesus com tais palavras não queria desencorajar a prática do jejum, antes demonstra que o jejum é adequado quando há um motivo justo para praticá-lo. Assim como as práticas de dar esmolas e orar, podem se deteriorar, quando realizadas pelas razões erradas, para a promoção de quem as pratica, assim também, o jejum pode perder o seu valor e significado, se praticado por razões fúteis e egoístas. Os fariseus hipócritas ao jejuarem faziam de tudo para que as pessoas pudessem perceber que jejuavam (6.16). Possivelmente, passavam cinza no rosto para aparentarem estar pálidos. O jejum era outra forma de se autopromoverem, de alimentarem sua vaidade. Por isso, Jesus diz que já haviam recebido a sua recompensa, o elogio dos homens. Ao jejuar o adorador deve seguir a sua rotina. Ao se levantar deve se pentear, lavar o rosto e fazer todo possível para que seu jejum não seja aparente. O jejum deve ser discreto, pois, ele interessa apenas a pessoa que o pratica e a Deus que o recebe como uma oferta. Desta forma, feito em secreto, será recompensado pelo Pai que vê em secreto (6.18).

Conclusão
Jesus nos ensina que a prática de orar, socorrer os necessitados e jejuar, embora, sejam práticas cristãs, que em si mesmas são boas e recomendáveis, podem se deteriorar e tornarem-se atos egoístas e de autopromoção. Para evitar que isso aconteça, precisamos sempre avaliar nossa motivação. Faço tais coisas com o fim de obter aprovação das pessoas ou aprovação de Deus? Oro, socorro os necessitados e jejuo para servir a Deus ou para ser visto e elogiado pelos homens? A nossa justiça exercida por meio de tais práticas devem ser realizadas diante do Auditório de Um Só. Portanto, devo fazer tudo com discrição e humildade, sabendo que o Pai celeste sabe e tudo vê e me recompensará conforme a sua vontade.

Aplicação

Agora que você sabe que deve exercer sua justiça por meio da oração, do socorro aos necessitados e do jejum com o fim principal, de servir a Deus e não para ser visto pelos homens, faça tudo isso sempre avaliando sua motivação. Sabendo que tais práticas são recomendadas e que Jesus espera que as pratiquemos, envolva-se com elas. Ore por suas necessidades e pelas necessidades de seus irmãos e igreja. Verifique se há alguém em sua igreja carecendo de ajuda e discretamente o socorre. Jejue em momentos de aflição, a favor de sua igreja, de sua família e irmãos, sempre com discrição.