quinta-feira, 7 de agosto de 2014

O verdadeiro sentido da lei: “...não vim para revogar, vim para cumprir” - Mateus 5.17-48

Introdução
O Senhor Jesus, depois de haver apresentado a seus ouvintes sobre o caráter do cristão (Mt 5.1-13) e sobre a influência que ele tem que exercer no mundo manifestando esse caráter por meio de boas obras (Mt 5.14-16), em seguida, passa a definir melhor esse caráter e estas boas obras. Para Jesus o caráter do cristão e as obras resultantes desse caráter, devem estar em harmonia com a santa lei de Deus.
Jesus mesmo cumpriu ativa e passivamente toda a lei de Deus e aponta-nos o dever de cumpri-la em todos os seus aspectos mais profundos.

I. Muito além das Regras – (Mt 5.17-20)
Jesus inicia esta seção, dizendo que não veio para revogar a lei ou os profetas. A lei e profetas correspondiam a todo o conteúdo do Antigo Testamento. Jesus estava dizendo que seus ensinamentos estavam em harmonia com o conteúdo de todo o Antigo Testamento. Possivelmente os oponentes de Jesus já começavam a dizer, que ele se opunha ao Antigo Testamento, ensinando uma nova doutrina. Talvez a controvérsia acerca do sábado, já tivesse explodido (Mc 2.23—3.6). A autoridade que Jesus demonstrava ter com seus ensinos perturbava os escribas e fariseus, que eram considerados os guardiões da lei. Jesus estava prestes a denuncia-los como hipócritas (Mt 5.20; 6.1, 2, 5, 16) e de antemão, já declara que o que estava para ensinar não tinha como intuito revogar a lei e ou profetas.

A. Jesus e a lei
Nos versos 17 e 18, Jesus estabelece o seu relacionamento com o conteúdo geral do Antigo Testamento. Ele declara que não veio revogar a lei ou os profetas, mas cumprir. O que diz nessa sentença não só serve para combater aqueles que como os escribas e fariseus são estritamente legalistas, não observando o real sentido da lei, mas também aqueles, que são antinomianistas, ou seja, contrários a qualquer lei e que negam a validade e importância do Antigo Testamento.
Como que Jesus cumpriu a lei e os profetas? Sua vinda, seu nascimento, ministério, vida e morte, foram anunciados na lei de Moisés, bem como predita pelos profetas. A lei e os profetas apontavam para Cristo. Fatos relacionados à vida de Jesus se cumpriram exatamente como o Antigo Testamento havia anunciado (Mt 1.22-23; 2.5-6, 17, 18, 23; 4.12-17).  As cerimônias e os sacrifícios que eram realizados no templo apontavam para Cristo e se cumpriram nele. O autor de Hebreus procura demonstrar ser Jesus o cumprimento de todo cerimonialismo do Antigo Testamento. Jesus se sujeitou a penalidade da lei (obedecendo-a passivamente), a fim de cumprir a pena em nosso lugar, garantindo-nos o perdão.
Jesus também cumpriu ativamente toda a lei de Deus (Jo 15.10; Gl 4.4). Jesus obedeceu inteiramente e de forma perfeita todos os preceitos da lei de Deus. De fato, a vida eterna, só poderia ser merecida por alguém, se obedecesse perfeitamente a lei de Deus. Visto que, por causa do pecado isto se tornou impossível, para um pecador por seus próprios méritos alguém alcançar a vida eterna, Jesus a mereceu por em seu lugar. Como homem ele tornou possível  a vida eterna para nós e em nosso lugar, sujeitando-se a todos os preceitos da lei de Deus (Lc 18.18-30; Gl 4.4-7).
Jesus declara que nenhuma parte da lei deixará de se cumprir. Enquanto ele falava, algumas partes já tinham se cumprido, como por exemplo, a sua encarnação. Outras estavam se cumprindo e ainda outras teriam um cumprimento mais adiante, como sua crucificação e ressurreição. Jesus declara que cada parte fosse a menor das letras do alfabeto grego (i) ou o menor sinal colocado em algumas letras hebraicas para distingui-las de outras (til), tudo irá se cumprir. Este cumprimento não se completará até que a terra e céu passem.

B. Os discípulos de Jesus e a lei
Agora, nos versos 19 e 20, Jesus demonstra que seus discípulos devem obedecer a lei de Deus. Aliás, a grandeza no reino de Deus (v. 19), bem como a entrada nesse Reino (v. 20) será medida pela conformidade a lei. Os discípulos, não devem apenas obedecer, mas ensinar outros a obedecer a lei de Deus. É claro que Jesus tem em vista aqui, a lei moral de Deus resumida nos Dez Mandamentos, visto que, os aspectos cerimoniais se cumpriram nele.  Nenhum mandamento deve ser desprezado, nem mesmo o menor ou mais leve, todos devem ser observados e ensinados (v. 19). Relaxá-los ou diminui-los em sua autoridade é uma ofensa a Deus. Aqueles que o fazem serão considerados mínimos e não entrarão no reino dos céus.
Jesus não está ensinando que a salvação é alcançada por meio da prática da lei. A salvação é obra da obediência passiva e ativa de Cristo e não é alcançada por mérito pessoal. Jesus ensina que apesar disso, devemos obedecer a lei em sua totalidade como cidadãos do céu. Na obediência a lei, o pecador, evidencia a salvação que recebeu e o amor que devota a seu Senhor (Jo 14.21; Ef 2.10).
Jesus vai mais além e ensina que a prática da lei e a justiça decorrente disso, deveria exceder em grau muito maior a dos escribas e fariseus (v. 20). Os escribas e fariseus eram rigorosos na guarda da lei. Pois então, como superá-los? Os escribas e fariseu embora guardassem a lei, o faziam apenas formal e externamente. Havia da parte deles apenas uma conformidade externa e rígida à letra da lei e que não satisfazia o coração e a mente (Mt 23.25; Lc 16.15). Tal prática da lei era enganosa e egoísta. A prática da lei proposta por Jesus a seus discípulos é de natureza mais profunda e íntima, é uma justiça do coração (Lc 16.15), fruto de uma transformação interior e espiritual, conforme prometida pelos profetas (Jr 31.33; Ez 36.27). Por isso, tal justiça é superior, pois vem do alto.

II. Muito além do homicídio (Mt 5.21-26)
No verso 20, Jesus já havia indicado que seu entendimento acerca da lei contrariava e se opunha a interpretação dos escribas e fariseus. Agora, Jesus começa a demonstrar isso e apresenta a forma correta de se interpretar e praticar a lei de Deus. Jesus começa citando o sexto mandamento: “Não matarás” ou “não assassinarás”. Começa com a mesma expressão que se repetirá quando fala sobre os outros mandamentos: “Ouvistes que foi dito aos antigos”. Em seguida para contrapor e apresentar seu ensino diz e repete em referência a cada um dos mandamentos: “Eu, porém, vos digo”. Jesus cita o sexto mandamento exatamente da forma como Moisés o apresentou ao povo (Ex 20.13).
Certamente Jesus não se contrapõe ao ensino de Moisés, mas ao uso e interpretação que os escribas e fariseus faziam da lei. A estratégia de tais homens era acomodar a lei de Deus a seus próprios interesses. Tornavam as exigências morais da lei mais manejáveis e menos rigorosas. Algumas vezes restringiam os mandamentos. Outras vezes, ampliavam as suas permissões. No caso do sexto mandamento, tais homens restringiram a sua proibição apenas ao assassinato não contemplando outras exigências. Jesus amplia as exigências desse mandamento, demonstrando que sua aplicação não se restringia apenas ao assassinato, mas a várias outras práticas condenáveis. A proibição incluía além do homicídio, palavras, pensamentos, ódio, dirigidos contra o próximo. Para os escribas e fariseus o que importava era apenas o ato exterior, mas para Jesus, não só o ato exterior é condenado, mas igualmente, a má disposição do coração, que está por detrás disso. Está sujeito ao tribunal de Deus, não só o homicida, mas, todo aquele que alimenta em seu coração ódio para com o seu próximo, que pode ou não ser expresso em palavras e insultos (v. 22). Portanto, “todo aquele que odeia a seu irmão é assassino” (1Jo 3.15).
Nos versos 23 e 24 Jesus faz duas aplicações positivas da regra de que o coração deve estar sempre cheio de amor e não ódio. Uma tirada do contexto do culto a Deus (v.23) e outra tirada do contexto de um tribunal (v. 24). No primeiro caso a desavença é com um irmão e no segundo, o problema é gerado por causa de uma dívida com alguém. Em ambos os casos, a lição de Jesus é uma só. Quando você tiver consciência de que seu relacionamento com seu irmão ou qualquer outra pessoa, estiver estremecido, tome providências imediatas para resolver qualquer pendência (Rm 12.18). Não devemos permitir que uma desavença permaneça, nem que tão pouco se desenvolva.  


III. Muito além do adultério (Mt 5.27-32)
Quanto ao sétimo mandamento, os escribas e fariseus limitavam-no somente ao adultério propriamente dito. Tal ensino não se aplica somente a um homem casado, mas também às mulheres, e às pessoas solteiras. Para Jesus o sétimo mandamento não inclui somente o adultério, mas até mesmo o olhar impuro, malicioso, cobiçoso. Portanto, está em vista não somente um ato pecaminoso exterior, mas os maus desejos do coração. Cobiçar com os olhos, desejar maliciosamente alguém, configura-se na quebra do sétimo mandamento, mesmo que isso ocorra – como é comum em nossos dias – num ambiente virtual. Dentro do contexto do casamento, o relacionamento sexual é uma bênção. Tudo o que passar disso, trata-se de uma transgressão do sétimo mandamento. 
Jesus ensina uma atitude radical, para não se transgredir de forma alguma, o sétimo mandamento. É preciso eliminar tudo quanto possa nos induzir a essa transgressão (cf. v. 28 e 29). Jesus não está defendendo a automutilação como uma forma de se evitar a cobiça sexual, mas a tomarmos uma atitude efetiva. Se o problema é a internet, corte-a; se é a tv à cabo, cancele-a; se é uma amizade, rompa-a; se é aquele livro ou filme, descarte-o. Fazendo isso estarás agindo como alguém que almeja o céu preparando-se para a eternidade.
Jesus também qualifica como uma situação de adultério, romper os laços matrimoniais por qualquer motivo que não seja no caso de infidelidade (v. 32). Os intérpretes da lei, baseando-se numa instrução dada por Moisés (Dt 24.1-4), interpretavam-na como se fosse possível em qualquer situação, o marido desgostoso com sua esposa dar-lhe carta de divórcio. Os intérpretes estavam dizendo algo que Moisés não havia dito. Moisés de fato não havia proibido o divórcio, mas antes de fomentá-lo, a ele se opusera fortemente. Conforme Deuteronômio 24.1-4, Moisés estava advertindo seu povo e desencorajando-o sobre tal prática. Mas, os escribas e fariseus, baseando-se numa exceção à regra, tornavam possível o divórcio em qualquer situação. Para Jesus permanece o princípio original, ou seja, que marido e mulher são e devem permanecer uma só carne (Gn 2.24-25).


IV. Muito além do juramento (Mt 5.33-37)
Novamente aqui, o que havia sido dito aos antigos não estava correto. A ênfase de Moisés está na veracidade e na sinceridade de alguém ao fazer um voto (Lv 19.12; Nm 30.2; Dt 23.21). O nome de Deus não podia ser tomado falsamente. Certamente as palavras ditas pelos tais intérpretes, resumia bem o que fora dito por Moisés: “Não jurarás falso, mas cumprirá rigorosamente para com o Senhor os teus juramentos” (v. 33). O problema estava na saída proposta para se driblar tal exigência. Diziam então, que se alguém fizesse um voto, não jurando pelo nome do Senhor, poderia não cumprir tal voto, sem incorrer na quebra da lei. Ou seja, somente um voto jurado ao Senhor deveria ser cumprido rigorosamente. Assim, na conversação diária, os juramentos começaram a se multiplicar. Jurava-se, “pelo céu”, “pela terra”, “por Jerusalém”, “pelo templo” ou “pelo altar” (Mt 23.16-19). Tais juramentos eram pronunciados, com o fim de impressionar alguém e validar uma palavra. No caso de um pronunciamento falso ou feito sem a intenção de cumpri-lo, se não fosse jurado em o nome do Senhor, isso não seria tão ruim.
Jesus condena tal prática. Demonstra que qualquer juramento, mesmo não se tomando o nome do Senhor, deve ser cumprido, pois Deus está sendo invocado de qualquer maneira (v. 33-36). Jesus não condena o juramento, mas o seu uso abusivo. O juramento feito em ocasiões solenes e de gravidade é válido (Gn 14.22-24; 24.3, 9; 26.3, 31; Js 9.15; Sl 110.4; Lc 1.73; Mt 26.63, 64). Acima de tudo, para Jesus nossa palavra deve estar comprometida com a verdade e ser pronunciada com honestidade (v. 37).

V. Muito além da vingança (Mt 5.38-42)
A lei de Moisés previa que para cada crime cometido, uma penalidade proporcional deveria ser aplicada, pelo tribunal (Ex 21.24, 25; Lv 24.20; Dt 19.21). Na aplicação de tais leis a vingança era desencorajada. Ninguém tinha o direito de se vingar contra seu próximo (Lv 19.18).
Os intérpretes, com o fim de justificar a retribuição e a vingança pessoal, citavam a lei de Moisés e ao fazê-lo pervertiam o próprio propósito dela. Jesus se contrapõe àqueles que viam em tal lei base para a vingança pessoal. Demonstra que todo mal recebido deve ser respondido com o bem (Compare com Rm 12.9-21). Nos exemplos apresentados, onde é requerido do crente não resistir ao perverso, mas pelo contrário, se lhe bater na face voltar a outra; se alguém lhe tirar a túnica, deixar a capa também; se alguém lhe obrigar a andar uma milha, andar com ele duas; e se alguém lhe pedir ajuda, ajuda-lo e lhe dar o que deseja, o Senhor Jesus condena o espírito de desamor, de ódio e de vingança.  Para Jesus a lei do amor deve prevalecer (Mt 5.43-48).

VI. Muito além do ódio (Mt 5.43-48)
“Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo”, deve ter sido uma forma popular no tempo de Jesus, de se resumir a segunda tábua da lei. Tratava-se de uma conclusão falsa, a respeito de quem era o “próximo” de alguém. Para um judeu, o próximo era um outro judeu. Portanto, para os judeus do tempo de Jesus, o mandamento para se amar ao próximo, não se aplicava ao inimigo, a final de contas, o inimigo para eles não era o seu próximo. Em Lucas 10.25-37, na parábola do bom samaritano, Jesus responde a pergunta feita pelo intérprete da lei: “Quem é o meu próximo?”. Jesus ensina que qualquer pessoa deve ser tratada com respeito e consideração, e que devemos ser o próximo do carente e necessitado. Tanto na passagem de Lucas, quanto no Sermão do Monte, Jesus ensina que o próximo a quem devemos devotar amor é qualquer pessoa, e pode ser até mesmo, o nosso inimigo.
Jesus evoca o exemplo do Pai celeste para exemplificar seu ensino. O Pai celeste faz nascer o sol e vir à chuva, beneficiando a todos indistintamente. Deus derrama da sua graça comum, sobre bons e maus e sobre justos e injustos. Aqueles que querem ser reconhecidos como seus filhos devem imita-lo, não apenas amando as pessoas amáveis e a seus irmãos, mas a todos, inclusive amando a seus inimigos. O padrão que Deus exige de seus filhos é seu próprio caráter perfeito (v. 48).

Conclusão
Jesus demonstrou a validade e importância da lei de Deus do Antigo Testamento, cumprindo todos os seus preceitos passiva e ativamente. Como decorrência disso, ensinou que o padrão do caráter cristão e suas boas obras devem estar em harmonia com a prática da lei de Deus.
No Sermão do Monte, Jesus demonstra que a prática da lei de Deus, vai muito além de uma acomodação meramente externa e superficial, como faziam os escribas e fariseus. O cidadão do Reino de Deus deve praticar a lei de Deus de coração e mente como fruto de uma transformação interior e espiritual, conforme prometida pelos profetas (Jr 31.33; Ez 36.27).  Somente desta forma, a justiça decorrente da prática da lei excederá a dos escribas e fariseus.

Aplicação
Conforme o ensino de Jesus, devemos nos guardar do legalismo, mas também evitar o outro extremo que é o antinomianismo.  Pratique a lei de Deus da forma como Jesus ensinou.